Pétalas de Dentes

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Aquela garota era uma tremenda fracassada, uma desonra para o nome de toda família. Se ela plantasse um mamoeiro, crescia um pé de mamão macho. E se ousasse cozinhar um ovo, nascia dali um pintinho. Até tentou ser engraçada em meio a tanta desgraceira, mas as pessoas só sentiram pena daquela estabanada e pobre coitada.

Cinismo sempre será um desaforo para pessoas convencidas.

Quando nasceu, sua vizinha idosa e banguela cuspiu uma aurora ranzinza para a menina: "Tão bela, mas tão enguiçada. Ao tocar em uma rosa, murcharão os mais lindos cravos. Mas para encontrar a redenção, terá que abraçar a ziquizira, a urucubaca e a imperfeição."

Mas essa bobajada nunca foi vista com graça pela sua família, essencialmente para seu pai. Todo bonachão, o homem tentava dar um tranco naquela garota tão abobada.

Por isso, em toda competição do bairro, tacava a garota em uma afeição que não lhe pertencia, mas que apetecia a desordem da cabrunca.

A bichinha era muito burrinha para tudo aquilo, e sempre errava de sua própria maneira e de seu próprio jeitinho. Foi obrigada a jogar truco, mas nunca recebia uma manilha. Na dama, perdia as pedras. Já no taco, a bola cambaleava e quebrava o telhado. Até tentou brincar de esconde-esconde, mas a sua tolice era tão grandiosamente grandiosa que era facilmente notada pelos olhos mais atentos.

Por esses e outros motivos, seu pai confundia aquele tédio malino com danação. Por isso, vivia dando bronca naquela moleca, trancando-a em casa e a pondo de castigo no milho até o joelho esporocar misericórdia.

Porém, certo dia, após mais um fiasco na praça do bairro, o pai sentiu uma pena sonâmbula da garotinha. Para tentar redimí-la e assim evitar mais uma sessão de tormento, ele pediu para que a menina assasse um biscoitinho feito pela sua vozinha, de sabor viciante, levemente salgado, cascudo e branquinho como nuvens primaveris em pleno outono.

Chamado de avoador ou, de forma menos inspirada e insossa, de biscoito de polvilho, o quitute fazia sucesso com a molecada mais teimosa e também com os gatos mais gorduchos. Em uma escapada marota da dieta, beliscar um "avoadorzinho" só engordava a satisfação malandra.

Na cozinha, o pai separou os ingredientes: 3 ovos, leite, água, sal, óleo e polvilho azedo. Seguindo as instruções do pai, que se atentava, a todo momento, com as criancices da atentada, ela metia a mão na massa e fazia o biscoito.

Primeiro, ferveu a água, o leite, o óleo e o sal em uma esculateira e botou o polvilho numa cumbuca. Depois, jogou o líquido pelando na tigela para escaldar o polvilho, mexendo um pouquinho essa muvuca. Após esperar amornar, misturou a massa até ficar menos flocada e tacou os três ovos inteiros.

Naquele instante, o pai notou que a menina havia errado a receita em algum ponto: ao invés da massa estar molenga, ela estava firme, encorpada, engrumada. Surtado com mais um fracasso iminente, se retirou da cozinha, surrando o chão como a pisadeira e resmungando cochichos diabólicos.

Mesmo assim, a menina continuava a cozinhar os biscoitos. Como a massa estava consistente, ela decidiu untar as mãos de óleo e moldar alguns bolinhos compridos, outros rechonchudos, e os pôs para assar no forno à lenha.

Após passarem alguns minutos, a batutinha retirou a escaldante forma com cuidado para não se queimar. No entanto, notou que os bolinhos estavam bem diferentes do esperado: maiores, leves, parcialmente duros e toscamente tostados.

O Jardim Distópico da CarneOnde as histórias ganham vida. Descobre agora