Pétalas de Pele

142 42 44
                                    

"Até onde eu iria para ser feliz?", matutava aquele péssimo marido, cuja a fidelidade noivou com a depravação.

O seu casamento foi o mais sublime e luxuoso de toda história daquela cidade. As fotos bem coreografadas registraram, por toda a eternidade, o azul pastel blasê da igreja; os drinques borbulhantes; o doçor das tâmaras, damascos e romãs; os beijos apaixonados de uma festa farta e boa. Porém, não havia como esconder olhares insossos de comodismo numa fotografia, sequer aquele clima de marasmo que perpetuava nos sorrisos forçados e de canto.

Havia um prelúdio de arrependimento emaranhado nas entranhas daquele homem, mas ainda lhe restava um mártir pecaminoso, capaz de o salvar daquele casório natimorto.

Na lua-de-mel, um beijo de língua percorreu a suave pele de sua noiva, suave como castanhas. Descendo pelo rosto, ele saboreou o suor almiscarado e impregnado no colo e mordeu a pele sinuosa e sensível que guardava o coração. Depois, ele retornou ao rosto, mordendo os lábios carnudos, de tom e de sabor canela devido ao batom gosmento que manchava a pele, o suor e os calafrios fogosos.

A sua noiva respondeu aquela provocação satânica com um selinho caladamente contido e geladamente seco. Nem uma gota de saliva desceu pela garganta daquele homem, cuja angústia esfomeada por prazer esquentava sua rija intimidade.

Não fizeram nada naquela noite. Nem na seguinte. Nem nas bodas de papel. Nem nas de algodão.

Um amargor pingava na língua e escarrava lembranças pecaminosas de luxúria: pesadas como o suor salgado que escorria pela noite, mas aliviadas com o benzimento carnudo e espesso que abençoava o amanhecer.

Dali, sonhos exóticos esquentavam sua pele máscula, musculosa, farta, rígida, encorpada, sensível. Calores que lambuzavam fronhas, como num sono profundo e babado. Logo fluíam delírios harmonizados com algo que quase saía de seu íntimo, aprisionado e contido como a castidade gélida de sua esposa.

Mas logo uma librina viria anunciar uma tempestade para aquela seca amorosa.

Próximo às bodas de trigo, eles contrataram uma empregada bastante prendada em seus afazeres domésticos. Cozinhava de uma forma estupenda; limpava a casa com primor; engomava as roupas com um cheiro sutil de alfazema; lavava a louça com rapidez e a deixava tinindo. Ela era uma excelente profissional. Uma mulher perfeita, essencialmente para o seu patrão.

Mas ele não tinha deixado passar aqueles quadris encorpados como os pêssegos mais sucosos, suculentos, se deixando levar por aquela boca vermelho vinho, trincada por mordidinhas de canto e hidratada por uma saliva quente, molhada e gotejante.

Já se passou o tempo em que sua esposa era uma pessoa dedicada, prestativa, bondosa. Agora era uma mulher rude, calada, chata e extremamente incompreensiva. Vivia irritando o marido por vários e toscos motivos. Brigavam, discutiam com as línguas ardidas, frenéticas e decadentes.

E ele não suportava essa rotina enfadonha. Aquele casamento, que no começo parecia ser encantador, mostrou-se ser um verdadeiro inferno com o tempo. Voltava estressado do trabalho, desejando algum descanso dengoso, mas só degustava daquele azedume vomitado pela arrogância de sua esposa. Brigavam, discutiam entre dentes exauridos, cuspidos e sofridos.

Por algum milagre, tiveram um filho. Um evento tão insosso, rápido e falido, que não valia um espaço nas memórias, sequer uma nota em uma folha de papel. Porém, mesmo com o nascimento do bebê, eles ainda brigavam, discutiam e enterravam, não oficialmente, aquele acinzentado casamento.

A empregada olhava para aquelas discussões frescas e irosas com um certo receio. Pensara várias vezes em mudar de emprego por causa daquela formidável algazarra, porém havia um mínimo motivo para que ela permanecesse em seus serviços: o seu patrão.

O Jardim Distópico da CarneOnde as histórias ganham vida. Descobre agora