Não estava preparado

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Já era meio de semana e eu não estava me sentindo tão firme quando se tratava de mim mesmo. Eram muitas tarefas planejadas em prol da produtividade e poucas executadas dia após dia. É nesse tipo de situação que você sente falta de uma rotina mais fixa, como trabalho, estudo, lazer e sono.

A parte de lazer se resumia à Lisa na maior parte dos dias, onde falar com ela não só me deixava bem como me dava novos ares para respirar além de ideias inspiradoras quanto a meu modo de viver e futuro a ser seguido. Apesar disso, ela também passava por problemas sérios, por razão de sua família não a tratar da forma que deveria. Com pais divorciados, foi consequente à sua solidão, mas eu estava sempre lá, tentando também ser um ar para ela respirar. Um ar puro, tão puro quanto o amor que sentia. Conhecer essa menina na minha pior fase de vida foi com certeza uma luz no fim do túnel, e na hora certa, onde já estava rastejando por ele, à beira da morte.

Ela morava muito longe e mantínhamos um relacionamento à distância. As poucas vezes que a encontrei pessoalmente hoje considero como as lembranças que me mantém vivo, determinado para novos encontros e disposto a dar a felicidade que ela merece. Não é por ser suicida ou não que essa motivação especial existe em mim, mas sim, pelo real sentimento de amor que senti pela primeira vez estando com alguém, onde cuidar de uma pessoa e estar disposto a isso se torna a parte mais agradável da rotina. Com isso, mesmo se Yuko saísse da minha vida, a saída de Lisa seria um impacto fatal. Mas ainda assim quero ajudar Yuko, assim como também quero cuidar de Lisa pro resto da vida.

Passaram-se alguns dias depois do último encontro pós-sessão, e naquele dia em específico, vi Yuko chegando mais animada na clínica, com sorrisos muito mínimos no rosto e expressões curiosas. Por onde quer que passe, seu visual e estilo de muito nicho em grupos introvertidos e amantes da cultura musical pop indie chamava muita atenção, chegando a ter riscos maiores de assedio ou preconceito direto e indireto.

Eu ficava ali, no vazio daquela sala todos os dias de sessão, esperando ela terminar a sua enquanto jogava um minigame de cálculos matemáticos, que incentivava meu raciocínio lógico e mental de forma mais instantânea. Era uma espera de mais ou menos 1 hora, e às vezes o tédio fugia tanto do meu corpo a ponto de abrir a porta e me fazer sair dali sozinho por si só. Como se já não bastasse o tédio da indecisão na produtividade diária, ainda passava por mais aquilo.

Toda vez que ela saía da sessão eu ficava na parte superior da escada, pronto pra sair. Ela já tinha uma mania juvenil de me deixar sair primeiro, como uma forma de delicadeza barata:

-- Primeiro as madames... - disse ela com risadinhas no rosto

Nessa hora eu fiz questão de ser alvo da piada. Era uma mudança nítida de humor da primeira vez para aquela. Ela ria mais, interagia mais. Mas continuava falando loucuras e pensamentos suicidas, como se aquilo fosse normal e fizesse parte do seu estilo de vida. Era errado eu ouvir tudo aquilo e ficar quieto, mas, querendo ou não, eu entendia todo aquele sentimento, pois já havia passado muitas vezes por ele.

A partir daquele momento, me vinha a mente os 3 tipos de suicida: os que só pensam no ato durante momentos de desespero (como eu), os que pensam com frequência sempre quando estão tristes (como Lisa), e os que carregam o pensamento de forma corriqueira, na alegria ou na tristeza (como Yuko). De fato, o caso dela era o mais grave até então, pois parecia uma execução muito mais provável e prevista, o que era o tipo de coisa que eu evitava imaginar e me preocupava em evitar a cada momento; a cada passo ao andar com aquela garota.

Foi durante o caminhar daquele dia que ela parou em frente a uma lanchonete e ligou para a mãe, perguntando se podia tomar um suco. A mãe aceitou, e eu não tinha opção a não ser acompanha-la. Era uma lanchonete muito simples, tanto a ponto de não haver higiene suficiente. O cheiro do local não era dos mais agradáveis assim como a expressão de quem estava por ali, isto é, nada além de pedreiros em horário de almoço ou pessoas de face preocupada, como se estivessem com a cabeça cheia de compromissos. Eu e Yuko parecíamos forasteiros, numa cidade tomada pelo desânimo de seus moradores.

The Last HandOnde as histórias ganham vida. Descobre agora