XXVII

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Dias depois, soube Luzia do paradeiro de Teresinha.

Raulino contou-lhe como a encontrara, sucumbida, em amarga tristeza, a se penitenciar no serviço doméstico de uma família desconhecida.

— É possível — exclamou Luzia — que aquela pobre esteja vivendo de aluguel? Por que nos abandonou sem motivo?

— Eu não sei dizer — observou Raulino. — O que sei é que ela está servindo a uns retirantes ricos, aboletados na casa da fortaleza. Não me disse porquê. Ali há coisa. Se vosmecê se encontrar com ela, não a conhece.

— Coitadinha!

— Não é mais aquela mulherzinha espevitada e alegre. Não fala quase. A modos que lhe botaram mau olhado!

— Quem sabe se não a intrigaram comigo?

— Não duvido. Há gente para tudo. Quando eu lhe disse que íamos trabalhar nas obras da ladeira da Mata-fresca, ela ficou calada, imaginando, e disse-me por aqui assim: "A Luzia é feliz; vai sair deste inferno... Eu é que estou condenada por toda a vida." E, como eu lhe inculcasse que devia abandonar aquela gente, os patrões, para, vir conosco, abanou a cabeça, desanimada que metia pena... Ah! Sra. Luzia! Imagine que a pobre faz todo o serviço; até trata de um burro velho, pele e osso, sem préstimo para nada.

— Se seu Raulino fosse comigo, iria vê-la.

— Ora, ora, ora!... É já. Que não farei eu para servir ao meu anjo da guarda?

Olhe, benefício no meu coração pega de galho. Vamos por detrás do cemitério velho e num instante, estamos lá. Pelo caminho continuaram a conversar, Luzia marchava ligeira movendo o corpo com flexões de faceirice, a cabeça ereta, e o semblante sereno, rebrilhando ao júbilo de encontrar a amiga. Raulino aligeirava a travessia, contando, com a avidez contumaz do sucesso, as suas maravilhas, as suas histórias.

— Sabe — disse ela, abeirando ao assunto que a preocupava naqueles dias — que vamos morar na ladeira?

— Já sei. O Alexandre teimou em deixar o serviço da comissão. Eu, no caso dele, não largava o certo pelo duvidoso. Empregado, como está, não arranjará melhor arrumação. Enfim, pode ser que melhore. Na serra, a gente está mais à fresca, tem água com fartura.

— E vai para longe desse povaréu de pobres, esfomeados que cortam o coração... Não é?

— Lá isso é verdade. O doutô, engenheiro das obras pesque é inglês ou alemão. Não sei bem que língua ele fala. Bota o Alexandre no mesmo emprego que aqui tem, com uma gratificação de três mil-réis por dia, afora a ração. Quando é a viagem?

— Por estes dias. Talvez, depois d'amanhã.

— E eu rente...

— Também vai?

— Se estou nomeado feitor!... De mais a mais, já resolvi não largar de mão a gente que me quer bem. Comigo vai uma troça de rapazes de primeira ordem; homens que são mouros no trabalho.

— E eu que tenho pena de deixar aquela casinha, onde curti tantas amarguras!

— É assim mesmo. A gente tem saudade quando abandona o poleiro antigo; mas, ao depois, tendo junto os seus, se conforma depressa, e as saudades voam como folhas secas tangidas por um pé de vento.

— Quero ver se Teresinha também nos acompanha.

— Ela é meia bandoleiro.

— Mas, tenho certeza de que me quer muito bem.

— Não digo o contrário. Experimente... E... a propósito... Sabe que o Crapiúna fez, outro dia, na cadeia um rolo danado? Estava como uma fera.

Luzia-Homem (1903)Where stories live. Discover now