Capítulo III - A história do golpe frustrado

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Reunidos no gabinete da Confederação, os diretores avaliavam os efeitos daquela nova situação, da farsa de um acordo que jamais acontecera. Rezende soltava fogo pelas ventas, ficou muito indignado, num momento em que fazia jus ao apelido de cangaceiro. Ficaria ainda pior, depois de saber pelo Cleber que a Medida Provisória trazia literalmente em seu texto aquela proposta inicial do Governo, como se tivesse sido aceita por todos.

"-Cambada de filhos duma quenga!" – foi o que saiu de sua boca. A primeira idéia que lhes veio à mente foi a de convocar a imprensa, para denunciar a farsa. Não custaria tentar, não poderia ficar assim. Dezenas de convites foram feitos aos meios de comunicação, por email e pessoalmente, para que comparecessem à sede a fim de se inteirar dos fatos. Nenhum dos jornalistas apareceu, nem ao menos justificaram o desinteresse.

Algumas horas depois, em contato pelo telefone, uma repórter da televisão local, afiliada da principal rede de TV, conhecida de Rezende, se dispôs à entrevista, mas só poderia fazer isto no Palácio do Planalto, antes do cerimonial, como se fosse uma reportagem casual. Não teria como garantir que a matéria fosse ao ar, e não estava autorizada a se deslocar até a Confederação. Era pegar ou largar.

Momento de combinar as estratégias. Haveria de se elaborar num só dia um plano quase perfeito, que chamasse a atenção da mídia para a farsa daquele acordo. A primeira medida que veio à mente do Cleber era que Rezende, presidente da Confederação, não comparecesse ao evento, para causar um primeiro impacto. Quem iria comparecer seria ele, representando a entidade. A proposta foi aceita, o nordestino confiava muito na capacidade de discernimento do seu diretor.

Finalmente chegou a hora. Cleber tomou todos os cuidados, vestindo-se a rigor, de forma a se confundir com alguma autoridade importante. Levava uma pasta de marca, estampando em um dos lados o nome da entidade. Apresentou sua credencial à portaria do Palácio, dirigindo-se em seguida ao terceiro andar, local de realização do evento. Planejava cada movimento, atento a todos os detalhes. O palco estava montado, era só ensaiar a peça.

Entrou por um salão imenso e vazio, percebendo na lateral uma larga passagem que levava a outro salão, onde havia muitas pessoas. Aproximou-se da passagem, para analisar o recinto, vendo à frente um luxuoso espaço, com as cadeiras lado a lado, onde havia a identificação de cada um dos sindicatos que teria participado do acordo. E lá estava o lugar reservado à Confederação, posicionando-se ao lado da cadeira do Presidente da República. Quanta honraria por nada.

Mais ao centro do salão, havia cerca de trezentos assentos, destinados aos convidados, quase todos ali presentes. O que mais chamou a atenção estava no final do recinto, onde havia um palco enorme, completamente ocupado pelos meios de comunicação. Pôde perceber de longe um amontoado de câmeras, holofotes, máquinas fotográficas e microfones, eram mais de duzentos repórteres, prontos para registrar o evento.

Afastando-se lentamente, deu de cara com o ministro, que acabava de chegar. Reconhecendo o diretor, o ministro parou para cumprimentá-lo, perguntando pelo presidente da Confederação. Vendo alguns repórteres se aproximando, Cleber respondeu ao ministro para que todos ouvissem que Rezende não compareceria, em protesto pela farsa do acordo. Pronto, estava espalhado o veneno, era só esperar pra ver no que dava.

Alguém se aproximou com a câmera, enquanto caminhava ao seu lado a repórter de televisão com quem estava combinada a entrevista. Era nada menos que a reportagem da maior rede de televisão do país. Com o atraso do Presidente, a conversa com a jornalista chamou a atenção dos repórteres, posicionados naquele palco. O diretor, disfarçando, encaminhou-se para o salão vazio, para se posicionar em um ponto estratégico, com vista para o setor da imprensa. E começou a entrevista.

O modo de agir da imprensa é bastante parecido com o comportamento das abelhas. Enfia-se pelos caixotes, isolando-se em seus afazeres, mas ao ouvir um barulho, vai saindo pouco a pouco, e quando menos se espera, encobre o corpo da vítima, pronta para dar suas picadas e para injetar seu veneno. Foi isto que aconteceu. Alguns repórteres curiosos desciam aos poucos do palco, arrastando seus equipamentos, mesmo sem saber do assunto ou quem seria a autoridade.

Aos poucos foram se inteirando da matéria, até se infiltrar na entrevista. Ninguém queria ficar de fora, parecia uma "coletiva", por sinal, das mais concorridas. A verdade é que em minutos o palco se esvaziou. E Cleber, que não era bobo, abriu a boca no mundo, falando a um só tempo para dezenas de microfones, girando para se oferecer às câmeras, que estavam ao redor. Pôde falar das perdas, do sofrimento dos idosos, das falcatruas do governo, estava afinado com tudo. Ocupou os espaços da mídia que o ministro pretendia ocupar. E o tiro do Planalto acabou saindo pela culatra.

Quando as coisas se encaminham, todo o resto começa a dar certo. O Presidente havia chegado ao evento, por uma porta lateral. O chefe do cerimonial, com cara de assustado, aproximou-se do aglomerado de repórteres, pedindo o fim da entrevista, para liberar a imprensa, e para que Cleber pudesse ocupar a cadeira, que lhe estava reservada. Não havia oportunidade melhor.

O diretor, sem se afastar, explicou-lhe os reais motivos por que não iria participar do evento. Disse ainda sobre um documento que deveria entregar ao Presidente. E, num ato de desespero, o chefe do cerimonial se afastou, retornando em poucos minutos, para comunicar ao Cleber que iria ser recebido pelo Presidente. Antes de se dirigir ao recinto, o diretor retirou de sua pasta as cópias do tal documento, distribuindo-as aos repórteres.

Tendo como testemunha a mídia, que filmava e gravava tudo, o diretor pôde entregar a denúncia nas mãos do governante maior. Depois de travar um breve diálogo com ele, resumindo os seus motivos, retirou-se do recinto. E a cadeira que lhe era reservada ficou todo o tempo vazia, despertando a atenção de todos para a farsa do governo.

O cerimonial continuou, e a Medida Provisória não deixou de ser publicada. Só que aquele barulho todo faria um tremendo estrago nas pretensões do Governo. Á noite, na televisão, todas as redes de notícias, ao se referir ao evento, colocavam em primeiro plano as denúncias sobre a farsa e os sérios riscos de perdas para quem aderisse ao acordo. O mesmo aconteceu com as rádios e jornais. Na manhã do dia seguinte o que mais se via nas bancas eram as notícias do evento, reservando sempre um espaço para o alerta da Confederação, quanto às inconveniências de uma adesão.

E assim a tentativa de golpe do governo foi um vergonhoso fracasso. Diante do alerta veiculado, as adesões não atingiram 5% das ações que haviam sido propostas. A agitação da imprensa chamou ainda a atenção dos desavisados para que pudessem dar entrada em suas ações, e receber os atrasados. A notícia sobre as perdas embutidas na proposta do governo chegou ao judiciário, que passou a se negar à homologação dos acordos.

Até que o Superior Tribunal de Justiça, em razão do reconhecimento da dívida, implícito na Medida Provisória, exigiu do INSS a revisão dos benefícios similares, sem que fosse necessário acionar a justiça.

A adesão maciça da mídia, mesmo que circunstancial, deu um inesperado destaque às irregularidades do acordo, sem que para isso houvesse ocorrido qualquer custo financeiro à entidade dos aposentados.

Aquele fato representou para todos que freqüentam os meios de comunicação um dos mais perfeitos "golpes de publicidade", desbancando a parcialidade da imprensa e as pretensões do ministro. Assim foi possível frustrar aquele que seria um dos golpes mais baixos que o governo pretendia aplicar nos idosos. A expectativa era de que esses fatos pudessem servir de lição ao governo. Não foi isto o que aconteceu.

Com o passar do tempo a história se repete, e quando menos se espera há um novo presidente querendo meter a mão no bolso dos velhinhos. É visível, até ao cidadão mais humilde, a falta de dignidade dos governantes, e o flagrante desrespeito que mostram aos princípios éticos e morais. Perdeu-se a noção de valores, e a prepotência dos Poderes ultrapassa todos os limites.

E a imprensa, como é que ficou na história? Resguardadas algumas exceções, o comportamento é o mesmo, continua a legitimar valores, persistindo em ditar os costumes e a esconder as verdades. Insiste em dar seu apoio às medidas mais absurdas, de modo a lhe garantir preferência às sedutoras verbas de publicidade, a mais forte moeda de troca do Governo.

É por essas e outras que a imprensa ainda é considerada como sendo "o quarto poder".  

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⏰ Última actualización: Feb 13, 2018 ⏰

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