Expectativas

179 12 12
                                    

E por mais que seu estômago grunhisse como um cão desolado, Linda não jantou naquela noite. Tinha força suficiente – porém, interiormente, questionava-se até quando duraria - para ir à cozinha e preparar algo para si, mas naquela noite, especificamente naquela noite, ela permitiu que os minutos voassem, juntamente com o vento que lhe batia os cabelos. Como chegara à varanda? Não fazia a mínima ideia, embora a sensação de abraçar o chão, sete andares abaixo, fosse um atrativo mais que convidativo.

"Por que eu, Senhor?", repetiu pela trigésima vez só naquele ano. A vida de Linda não foi uma das melhores, é preciso admitir. Filha da enfermeira mais procurada nos plantões passou os primeiros anos da vida aos cuidados de Dona Carmen, vizinha que ganhava a vida costurando, e que, embora tivesse jeito para cuidar de crianças, não possuía mais habilidades ou reflexos suficientes para administrar oito.

Linda nunca culpou sua mãe por deixá-la com a vizinha. Na verdade, ela até gostava da ideia, pois jamais apanharia de Dona Carmen. Sempre que se danava, escutava um "Vou contar pra sua mãe!", mas não se preocupava, afinal, Dona Carmen já tinha seus abençoados 65 anos e sofria de Alzheimer. Mas sim, Linda nasceu uma criança vingativa. Talvez tenha sido pelo fato de, no primeiro dia de vida, ter ouvido inconscientemente sua mãe contar para a colega de profissão que o miserável do pai tinha fugido para não assumir a criança; Ou quem sabe, tenha sido o fato de nunca ter tido uma figura paterna presente em toda sua infância – sua mãe era órfã e Dona Carmen só tivera meninas. Porém, ela não admitia... A não ser, quando discretamente secava as lágrimas ao assistir filmes aleatórios da locadora perto de sua casa com seu filho nas Quartas-feiras. Não existiam mais: a locadora nem as Quartas de filmes.

Ainda da varanda, ela fitou a sala de estar que ainda permanecia com aquela faixa imensa, enfeitada de letras douradas, estampando os dizeres: PARABÉNS, LEONARDO! FUTURO MÉDICO DA FAMÍLIA!

A adolescência foi seu período de maior aproximação com outras pessoas. Atraída pelos ideais alheios, Linda foi tomada pelo conceito de Família, e mais cedo do que esperavam, já estava formando a sua, com seus 23 anos, ao lado do estudante de Medicina, Guto.  Quarentona, redirecionou todas suas orações ao seu falecido esposo. Causa? Câncer no cérebro.

No corredor, a empresária analisou as fotos na parede... "Preciso ligar pra Maria, já tem poeira suficiente"... E caminhou por entre os tempos. Linda sempre gostou da casa cheia de pessoas e com muita festa, fora por isso que convidara todas aquelas pessoas para comemorar a aprovação na faculdade do filho de Marta, amiga do trabalho. Mas o problema de Linda era que além de vingativa – a raiva do pai a fez crescer profissionalmente -, ela colecionava leques de expectativas. Expectativas de que sua casa fosse suficientemente grande para seus convidados; Expectativas de que houvesse comidas e bebidas para todos eles; Expectativas que seu filho um dia pudesse ser aprovado em Medicina e experimentasse todos aqueles doces dispostos à mesa; Expectativas de que seu filho, Victor, saísse do coma induzido e atravessasse a porta no fim do corredor.

Conto: ExpectativasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora