Capítulo I: Os dois, nós três - Amanda

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Amanda


Silêncio... Foi essa a primeira resposta que recebi de Lucas naquele momento. Sim, por mais que, hesitante, houvesse me respondido, era irrelevante, pois eu sabia que deveria existir razão por trás de seu silêncio. Apesar de ser pouco o tempo de amizade, conhecia muito bem aquele garoto, nunca faltavam palavras a Lucas, a não ser que ele não quisesse dizê-las.


Lucas era um típico tímido, com mais de uma face para se conhecer. A que se via pelos corredores da escola era de um garoto, com cabelos lisos, loiros e bagunçados, completamente introspectivo, que nunca parecia largar um livro, não falava com muita gente, não olhava para outras tantas. Seria preciso, no entanto, se aproximar um pouco mais para saber que existia um verdadeiro rosto por trás dessa máscara de timidez ― Que era uma gracinha. Para falar a verdade, ele era lindo em quase todos os aspectos. Sua verdadeira personalidade mostrava alguém doce por natureza, do tipo homem de Vênus, falando sempre cavalheirescos elogios ou fazendo referências quaisquer à mitologia, que tanto amava. Ah, sim, a literatura! Lucas era tão fascinado pela literatura, que, desde o dia em que nos conhecemos, perdi as contas de quantos poemas já o vi declamar. O primeiro foi em meio a uma conversa com Douglas sobre romantismos exagerados e os poemas de Fernando Pessoa, em que Lucas, com sua voz rouca e aveludada, para defender sua tese de que em tudo havia uma gota de romantismo, declamara garbosamente os versos do poeta lusitano: Todas cartas de amor são ridículas... Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas.


Sei que facilmente Lucas poderia ser confundido com alguém marrento, de nariz em pé ou mesmo pedante, mas não era essa a verdade. Aliás, ele odiava que o elogiassem, tudo o que fazia era porque sentia vontade de fazer, principalmente quando era romântico e doce com quem gostava. Talvez essa fosse realmente a sua essência: um lindo romântico exagerado... Com esse jeito meigo e essas suas palavras carinhosas, ele conseguia encantar a todos!


E foi exatamente o que aconteceu comigo.


Não sei dizer ao certo quando comecei a me apaixonar por esse garoto. Lucas apareceu num momento em que o que mais desejava era esquecer qualquer tipo de relação amorosa. Era o meu terceiro ano do ensino médio e a menor distração poderia ser prejudicial para mim ― pelo menos, era o que eu repetia incansavelmente, esperando que fosse verdade. Sempre fui obsessiva em relação ao meu futuro, por isso ao começar este ano, prometi que não me envolveria com ninguém. Todas as minhas energias seriam voltadas a um objetivo: minha aprovação no vestibular de Medicina ― meu sonho desde criança. Mas, então, nos conhecemos e ficamos amigos rapidamente. Aliás, nós três! Não podia deixar Douglas de fora, já que ele era peça importantíssima em nossa amizade. Quando estávamos juntos, algo em nós parecia florescer mais do que de costume, erámos todos em nossa mais pura essência, pois tínhamos uma liberdade única e podíamos ser quem fôssemos sem nenhum temor. Como um quebra-cabeça, só nos sentíamos inteiros quando estávamos juntos. Era algo muito louco e intenso. Louco principalmente para mim, que sempre me julguei ― e fui julgada pelos outros ― uma garota extremamente centrada. Nunca fui de me deixar levar assim, de forma tão intensa por alguém.


Eu sei que pode parecer esquisito tantas palavras apaixonadas para descrever uma amizade. Acontece que o que existia entre nós três era um sentimento que simplesmente não parecia caber em alguma palavra! Pense em momentos de completa insegurança e impotência ― é mais ou menos assim que nos sentimos quando estamos perto do vestibular ―, por mais regrados ou confiantes que sejamos, a imensidão do futuro nos apavora se pensarmos em espiar um pouco além. Agora, tente sentir que, em meio a todos esses momentos, há um refúgio de tudo isso, um lugar especial, onde, para fazer todas essas sensações ruins desaparecerem, basta um colo e um cafuné. Pois bem, isso era o que significava minha amizade com aqueles dois. Lucas e Douglas me faziam sentir dessa forma, cada um com seu jeito, carinhoso ou brincalhão, sério ou malicioso. O que era perfeito, pois, sendo apenas amigos, não precisava me preocupar com todas as responsabilidades de se ter um namoro, por exemplo. Fazíamos bem uns aos outros e ponto, sem necessidade de maiores explicações ou cobranças.

Os dois, nós três (DEGUSTAÇÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora