02 - Fake news

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Notícia de 01° de abril:

Homem é encontrado morto sem o pênis

Homem é encontrado morto sem o pênis

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Por: Marina Clement

Um homem foi encontrado morto na casa em que mora, na madrugada de ontem, por um vizinho, na zona leste de São Paulo. Os dois sairiam para jogar futebol pela manhã quando o amigo percebeu o atraso do outro.

"Ele não vinha e não atendia o celular, então fui até a casa dele. Nada. Eu tenho a chave da casa dele, então resolvi entrar. Notei um cheiro muito ruim e segui. A cena que eu encontrei era horrível", relata Jonas Pereira, 32, arquiteto.

A vítima foi identificada como sendo Lucas Gonzaga da Costa, 29 anos, despachante, sem antecedentes criminais.

"Eu não consigo entender a razão disso, sinceramente, nada faz sentido", desabafa Pereira.

A perícia criminal diz que o homem morreu devido à hemorragia causada pela extração do pênis da vítima.

"Mesmo assim, existem relatos de ocorrência em que a pessoa sobrevive e tem uma vida normal. Este caso foi atípico", explica o perito criminal forense Tomas Vieira do 32° DP da cidade de São Paulo. A polícia continua com as investigações.

*   *   *

Você pode imaginar a repercussão que a notícia teve. Acirrou ânimos por todos os lados. Em especial, por não se tratar de grande veículo de mídia dando a notícia.

- É só mais um blog mequetrefe querendo aparecer - diz um dos comentários da postagem.

Ou ainda, pela estranha coincidência de ser postado num primeiro de abril, data esta que eleva as incertezas acima de quase tudo. Se bem que, mesmo veículos de mídia tradicionais fora do primeiro de abril também são caracterizados como fake news. O que resta a acreditar, então? Qual realidade você quer criar hoje?

- Bom, menos um piroco, não vai fazer falta - exaltou uma comentarista.

Marina observava com um misto de pânico e ansiedade a repercussão que o publicação estava tomando. Seu blog estava, sim, com um alto tráfego de visualizações e comentários - o que seria útil na monetização dele via AdSense. Ainda assim, a maior parte do tom era negativo. Sua  credibilidade estaria em risco, cogitou. Aonde é que essa movimentação poderia levá-la?

Resposta: ao linchamento virtual que a internet proporciona. Mensagens de violência jorraram aos borbotões conta a repórter. Era mais absurdo ela dar a notícia - verdadeira ou não - do que o fato em si: um homem morreu sem o pênis.

Apesar de tudo, Marina teve contato de Paulo César Mattoso, repórter de um grande jornal de veiculação nacional. Ele acreditou nela. Mattoso tinha anos de reportagens criminais, e numa cidade como São Paulo, muito acontece e pouco se noticia - pelo menos nos grandes noticiários. Só casos extraordinários ganham destaque, pois o cotidiano já é uma catástrofe naturalmente. Feitos extraordinários ficam marginalizados a pequenos blogs de procedência duvidosa, ainda mais num primeiro de abril.

E foi essa a definição de Mattoso: extraordinário. Real ou não, era no mínimo intrigante. Ele e Marina trocaram mensagens naquela tarde.

- Como você soube pra estar lá na hora certa antes de todo mundo?

- Eu conhecia o vizinho que deu a declaração.

- Jura? Que mundo pequeno esse.

- Então, tu vê. Entre milhões de habitantes, as oportunidades estão aí, só esperando para acontecer. Eu acho.

- É, você tem razão - pontuou Mattoso.

Ainda que desconfiado, porque isso não prova nada. Não garante que ela realmente conheça o vizinho Jonas. E como ela soube qual DP foi investigar? Quem era aquela pessoa?

Minimamente intrigante.

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