O maior problema de Bruno era ele mesmo.
***
A recepcionista ergueu uma ficha de papel.
— Márcia Pereira!
Bruno observou uma mulher andar devagar até o balcão, pegar um documento e seguir para a porta do consultório do dentista. Aquilo se repetiria várias vezes até que fosse a sua vez — o novo emprego na fábrica de embalagens ficava longe da clínica, o que o impedia de chegar cedo para aproveitar o atendimento por ordem de chegada.
Mais alguns minutos passaram. A sala de espera encheu mais um pouco. A certa altura do movimento de pacientes, Bruno se distraiu observando um detalhe: a fileira onde estava sentado formava uma espécie de sequência de desenvolvimento. Começava perto da porta, com uma mulher e um bebê de colo. Do lado dela estava sentado um garotinho (uma versão mais nova da mulher e mais velha do bebê). Depois do garoto, um rapaz sério, de não mais que 20 anos. Em seguida vinha o próprio Bruno.
A série terminava com um homem idoso, na casa dos 70 anos de idade. Bruno tinha 32. Apesar de não julgar que a velhice fosse a próxima etapa imediata de sua vida, achou que a observação ainda funcionava.
Pegou-se imaginando o que as pessoas daquela fileira já tinham vivido e o que ainda tinham que viver.
A mulher, com um filho pequeno e outro menor ainda no colo. Algo de automático nos movimentos, o olhar sempre verificando se estava tudo em ordem.
O menino e o bebê, com tudo pela frente. Escola, trabalho, decepções, paixões.
O jovem do seu lado, com a expressão fechada sem dúvida escondendo dezenas de receios, que no dia seguinte seriam substituídos por outras preocupações totalmente novas.
O velho... Não conseguia interpretá-lo. O velho era um modelo vivo do passado nebuloso e do futuro insondável.
E eu?, pensou. Tinha pulado sua própria vez quando pensou na transitoriedade das pessoas na fileira. O que tinha feito até então das suas três décadas? O que a vida ainda lhe reservava?
Suspirou. Colocou os fones de ouvido e escolheu uma música no celular. "Miami Disco" do Perturbator. Passou a se concentrar na melodia, impedindo os pensamentos de chegarem a alguma conclusão significativa sobre sua existência. Conhecia bem os riscos de se perder dentro da própria cabeça, preferindo resistir à tentação da introspecção. Subtraía-se da própria filosofia para evitar fazer um julgamento injustamente desfavorável de si mesmo.
A recepcionista ergueu outra ficha. Bruno tirou o fone esquerdo do ouvido.
— Vera Cecília Maria Trindade.
Enquanto observou distraído o trajeto da mulher que levantou, Bruno reparou que um homem do outro lado da sala olhava para ele. Fingiu não perceber. Depois de alguns segundos, constatou que o homem ainda não tinha desviado o olhar. Pior ainda: ele parecia contrariado. Sem conseguir entender qual era o problema, Bruno cruzou os braços e virou o corpo meio de lado na cadeira.
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A Duplicata de Bruno
Mystery / ThrillerOnde Bruno se vê envolvido com um sósia e um crime misterioso.