Capítulo 11

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Metrô é um lugar onde coisas bizarras acontecem, né? Quem anda de metrô diariamente com certeza presenciou momentos estranhos. Sujeito com tique nervoso tremendo freneticamente a perna, alguém dormindo e despertando do teu lado com a cabeça caindo e levantando. Mesmo com uns leves empurrões, o indivíduo não se toca! Claro, os típicos barracos envolvendo uma pessoa que empurrou a outra quando a porta estava fechando. Quem nunca deixou de sentar em certos assentos por causa do suor marcado ali da pessoa anterior? Nojo. Ou alguém tentando ler o que você está lendo. Mais desconfortável que isso impossível!

Entro no vagão e vejo um espaço dentre a multidão. Não entendo o porquê desse espaço, então olho pro chão, que está limpo. Olho as pessoas ao redor e ninguém fedendo. Pois então vou em direção a esse espaço vazio. Cacete, o vento do vagão está justamente neste espaço vazio. Não tem como voltar pro meu local anterior, então me resta longos minutos com vento na minha cara e no meu livro com a folha se mexendo. Isso não me impede de ler, de ouvir música ou de me locomover pela cidade. Então não me abalo e não fico de mau humor.

*

Já faz uns dias que toda vez que piso em casa, eu a olho com outros olhos. Passo por cada relógio, toco com carinho neles e os observo detalhadamente, principalmente o de noivado dos meus avós.

Pego os tsurus e coloco em cima dos relógios. Eu não me reconheço mais com os relógios nem com nada. Não estou satisfeito. Quer dizer, está tudo igual, do jeito que eu deixei antes de viajar, e é aí que está a questão. Eu fui atrás da verdade e estou com ela. Eu sou o responsável por isso. O crédito é meu. Essa é a melhor parte, porque a iniciativa foi toda minha.

A minha vida sem graça reflete nos ponteiros do relógio. Tão sem graça quanto viver sempre os mesmos movimentos diariamente minuto após minuto. É a feiura da repetição, da simples invariabilidade que faz do dia a dia sinônimo da mesmice, mesmice, mesmice. Em contra partida, vejo encanto no movimento dos ponteiros. Não há conclusão. Não enxergo o início nem o fim. São interessantes e intrigantes à primeira vista, só que se tornam monótonos quando se locomovem, locomovem, locomovem. Há sintonia entre o movimento do ponteiro com a poeira no ar juntando-se ao som grave do minuto passando. Presente. Ponteiro. Passado. Presente. Ponteiro. Passado. Presente. Ponteiro. Passado.

Minha vida não foge da função de um relógio. Fazer aquilo que é esperado. O que há de novo na minha vida? Ou melhor, o que eu já fiz pra minha realidade ser outra? Eu fui atrás de algo que fez a minha realidade mudar a cada etapa da minha vida?

Eu estou na mesma etapa há muito tempo. Mesmo sebo. Mesmo Suvaco. Mesmo trabalho. Nenhuma viagem. Nenhuma pessoa especial. Nenhuma decepção. Nenhuma conquista. Mesmo. Mesmo. Mesmo. Nenhuma. Nenhuma. Nenhuma.

Eu reconhecer isso tudo é um lance completamente inovador. Pelo simples fato de eu perceber que a minha vida toda é a mesma porra é uma puta conquista. O impacto que essa viagem está tendo em mim é assustadoramente daora. A escrotice do Armando, as letras significarem nada e a minha expectativa de encontrar uma garota e me apaixonar por ela ir pra merda ao ver que Lia é gay.

Lia. A beleza dela. A Lia é toda bonita. Toda única. A gente se conectou pela dor de perder pessoas que amamos. Em situações diferentes, sentimos a mesma dor. Não importa a idade, o parentesco ou a causa da morte. A pessoa sai da nossa vida. O amor fica enterrado no nosso peito. Alguns superam no álcool, em outras drogas ilícitas, no trabalho, na rua. Eu e Lia superamos em coleções. Eu diria que a minha vó se foi no momento que o Universo precisava dela e a Terra já não era mais lugar para aquela alma iluminada. Eu consegui dizer à minha vó todo o amor que eu sinto por ela. Eu tive meu momento de despedida e de agradecimento. Preservo isso em minha mente.

*

Encontro Gan no ponto de ônibus no outro lado da rua. Eu não o vejo desde o dia que ele havia me passado os dados do Armando. Bom, vou até lá cumprimentá-lo e isso significa tirar meus fones de ouvido, escutar o barulho da cidade e ir até o ponto lotado. Demos um aperto de mãos bem educados. Ele se levanta, vai até a ponta da calçada e faz sinal pro ônibus parar no ponto. O busão para, Gan está na fila sem me olhar ou se despedir de longe. Só observo, parado, aguardando por um tchau. Gan sobe, vira pra trás e faz uma continência em minha direção com um sorriso. Eu retribuo. Acabamos de nos comunicar sem grosserias pela primeira vez, meu Deus. Os milagres existem.

Estrada 171Where stories live. Discover now