Capítulo 5

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Pra descobrir quem vendeu o livro, eu precisava de algumas informações no sebo da Cris. Ou seja, primeira etapa da jornada: Gan.

Cheguei e logo pedi pra ele me passar as informações, mas ele não quis revelar. Pedi mais uma vez com muita paciência e educação. Ele disse que isso vai contra as regras da loja e que se a Cris descobrisse, ela não iria gostar de nada disso. Desde quando é proibido divulgar o nome do vendedor? Qual é o problema nisso? Gan sabe que sou uma ótima pessoa. Quer dizer, eu não ia sequestrar ou assaltar o sujeito que usou um marca texto verde.

Justo naquele dia eu tinha vendido uma parte do meu vale refeição, portanto eu tinha certa quantia em dinheiro na carteira. Fui corrupto e tentei subornar Gan. Prometo que não fui hipócrita e não fui na manifestação contra corrupção. Só que ele teve a pachorra de recusar o dinheiro e pedir pra eu falar com a Cris. Convencê-la a dar um aumento ou ajudar nos custos de um curso que Gan quer fazer pra prestar um concurso.

— Quê? – perguntei, entendendo absolutamente nada.

— Chega na Cris e troca uma ideia falando "porra como o Gan melhorou no atendimento, hein Cris nossa" até ela estar convencida de que realmente eu melhorei e aí ela me dá um aumento.

— E isso vai ser o suficiente pra...

Gan me interrompeu.

— Ou já fala direto pra ela me ajudar no meu curso!

— Mas que curso?

— Pra eu prestar um concurso.

— Você quer um curso pra um concurso? Como?

— Ué. Preciso intensificar meus estudos e só assim pra eu me sair bem.

— Que concurso? Vale a pena esse esforço? Quer dizer, cê teria que estudar no sábado, né? Por que você mesmo não fala com ela? É só pedir.

— Nic, primeiro ela precisa tá convencida de que eu sou um bom funcionário e blá blá. Olha lá ela saiu da salinha. Corre!

— Só que eu preciso saber que concurso que é pra eu ter mais argumentos, Gan.

— Besteira! Não precisa, só vai!

Argh. A curiosidade estava me matando! E outra, como eu abordaria esse assunto pra Cris? Pior ainda: como eu conseguiria convencê-la a dar um aumento ou ajudar Gan? É muita intromissão e a Cris tem a língua afiada.

Saí do balcão e depois de muito tempo de enrolação tomei a iniciativa de conversar com ela, que estava organizando alguns livros. Cumprimentei, tivemos um small talk. Pra minha encenação dar certo eu precisava demonstrar seriedade.

— Cris, preciso trocar uma ideia com você sobre o Gan.

— Claro, Nic. – Disse, ainda agachada, sem parar de organizar os livros. Então me agachei junto e comecei meu feedback.

— Sendo honesto... eu nunca fui com a cara dele. Nunca. Meu Deus ele me atendia com estupidez e sem educação. E eu estranhei que, sei lá, nos últimos meses eu senti uma melhora no atendimento. Me atende bem, cumprimenta e recomenda livros. Eu tô vendo muita proatividade nele. – Eu ia prosseguir com a minha avaliação, mas Cris parou o que estava fazendo e olhou pra mim.

— Eu tô de olho no Gan e ele deu uma mudada mesmo. Está me tratando super bem e olha que a gente sempre teve uma relação complicada.

Que cara de pau.

— Poxa, é mesmo?

— É mesmo. E agora você vem conversar comigo sobre isso? Tem alguma coisa aí. Essa conversa tá tomando um rumo estranho.

Cris voltou a organizar a estante. Se eu não respondesse, a conversa ia ficar por isso mesmo. Como caralhos eu introduziria a porra de um aumento ou a tal ajuda de custo?

Olhei pra Gan e fiz uma expressão de desespero por não saber o que dizer. Ele sussurrou algo que eu definitivamente não entendi. Algo como "engatinha no urso"? Que?

— Eu tenho uma sugestão – continuei tentando fazer leitura labial – enga... – e então começou um show de mímica do Gan no balcão e ele fez uma arma com a mão – engatilhar, meu Deus...no curso – sussurrei pra mim mesmo.

— Nic? Que é? – Cris tinha feito uma pausa na organização dos livros e me encarava.

— Ah foi mal... é, quero dizer pra você não se enganar e não ficar tão desconfiada com a nossa conversa. Minha sugestão é melhorar na qualidade do atendimento e recompensar o Gan por causa disso.

Troquei olhares com Gan, que ainda estava bisbilhotando. Cris diz:

— Um líder sabe o que fazer numa situação dessas, Nic. Vou conversar com ele, fica tranquilo. Não precisa ser o justo e o defensor dos trabalhadores.

Gan sussurrava mais alguma coisa, eu tentava ler os lábios dele e ao mesmo tempo continuar falando com a Cris. Disfarçadamente, eu falei pra ele "para com isso, caralho". Eu estava ficando louco! Muita coisa pra falar, agir e fazer tudo ao mesmo tempo!

— É, eu achei que seria legal alguém dar esse toque pra você. Até porque, o seu foco são os consumidores e eu sou um deles.

Cris parou de mexer nos livros e me olhou novamente.

— Tem razão. Muitas vezes os clientes observam algo que a gente não vê. Obrigada, Nic!

Nessa hora Gan fez um 'joia' com a mão. Sinceramente, não sei se fui convincente. Se ela vai ou não dar esse aumento aí já não é assunto meu, certo? Não era parte do meu trato com o Gan. Foi uma conversa muito bosta, como é que o Gan se contentou com isso e ainda por cima fez um jóia? Cris é uma pessoa muito boa e justa, mas é difícil de lidar com ela. Eu já sabia que ela era sincerona e do tipo que não leva desaforo pra casa. Talvez seja por isso que a determinação dela a tenha levado a muitas conquistas. 

*

Eu estava criando expectativas. Eu queria que fosse, como diz meu vô Nestor, uma rapariga. Daquelas jovens dentro dos padrões de beleza ocidentais e midiáticos. Eu devia ter vegonha de dizer isto: fui fisgado pela mídia. É uma bosta enorme, mas é verdade. Sei de todos os malefícios, afinal, estudei Comunicação, mas todos nós temos um lado fútil e esse é o meu. Gosto de moça mais branquinha, um cabelo longo, liso, com franja, magra com um peito médio, não muito grande nem pequeno demais, estatura alta, com pernas longas. Se eu puder sonhar mais alto, que goste de usar chinelo, com um estilo despojado e shortinhos. Sabe as apresentadoras do Canal Off com um estilo surfista? É isso.

Gan passou o contato da pessoa que vendeu o livro e ela se chama Armando Castrinni de 27 anos. Não é uma rapariga. Armando mora em Cunha, cidade que possui em torno de vinte e três mil habitantes. Cidade simples e pequena.

Meu destino era Armando, a segunda etapa dessa jornada.

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