Capítulo 02

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Fernanda

Conversar com o delegado me consumiu o resto da paciência que eu nunca tive. Escolhi o Direito porque eu queria ser uma delegada, uma temível e respeitada delegada e quem diria que iria acabar advogada e uma que deveria defender o Christian Daniel?! O infeliz do astro do momento havia se enfiado numa confusão sem precedentes.

- Tráfico de drogas?! Eu não acredito que um cantor como Christian Daniel venha a ser um traficante de drogas. – Olho analiticamente para o senhor calvo sentado imponente com a barriga quase transbordando para a fora da camisa e o colete preto jogado para trás.

- Minha filha, esses artistas são capazes de tudo! Há gramas de LSD suficientes para enquadrá-lo no artigo 33. – Fala se referindo à lei que pune o tráfico de drogas.

- Isso não faz sentido! Não admito que o mantenha preso e incomunicável porque o considera um traficante apenas pela quantidade de droga que apreendeu. Não há provas suficiente para amparar a prisão, o senhor me desculpe, mas serei obrigada a impetrar um habeas corpus. – E assim, fiquei mais meia hora naquilo que ousei a apelidar de "jus esperniandi", uma matéria complexa do Direito que exige um desempenho sem igual do advogado, ou seja, falar e falar, e quando estiver cansado de falar, ainda arrumar saliva e disposição para falar mais, embora tenhamos que ter também uma boa dose de criatividade e originalidade.

- Você é boa, doutora! – O delegado sorri para mim com seus dentes amarelados.

- Isso significa que poderei conversar com meu cliente? – Pergunto já aliviada por saber que havia atingido meu intento. Porque sou dessas que dá um boi para não brigar e uma boiada para não sair da briga. Apenas trato de sorrir com toda a doçura do mundo.

- Apenas 15 minutos!

- Ah se eu fosse o senhor não me preocupava tanto com a duração da visita. – Levanto altiva da cadeira encarando o delegado nos olhos. – Christian Daniel deixará a delegacia ao meu lado, ou não me chamo Fernanda Priscila Limeira. – Até porque eu não tinha mais tempo para perder na delegacia. Estava amanhecendo e eu ainda precisava buscar meus sobrinhos, um em cada canto da cidade, pelo amor de Deus!

O delegado pegou o telefone e pediu para que um dos agentes me acompanhassem até uma sala reservada onde Christian Daniel deveria ser conduzido para conversar comigo. Sinceramente, eu não via a hora de me livrar do incômodo sertanejo que havia sido atirado no meu colo em plena madrugada de domingo.

Entrei na sala e me sentei em uma das cadeiras e fiquei aguardando a febre sertaneja do momento. Eu não tinha o hábito de acompanhar as notícias dos famosos e mal sabia qual novela estava passando na televisão no momento. Desde que assumi a guarda das crianças, apenas tenho feito trabalhar e estudar e trabalhar mais um pouco. De tempos em tempos, eu ainda conseguia tirar um tempinho para sair com Guilherme, mas eram momentos cada vez mais raros. Sofia era apenas um bebê de 9 meses quando meu irmão foi morto e exigia muito de mim, não que eu reclamasse, mas ela agora tinha pouco mais de 3 anos e precisava de mim mais do que nunca. Além de Sofia, haviam Samuel e Serginho. Serginho mesmo estava numa idade difícil. No auge dos seus 15 anos, eu não sabia como orientá-lo ou mesmo me aproximar dele. Ele precisava de uma referência masculina, mas Guilherme se recusava a cumprir o papel de pai e isso me esgotava.

A porta se abre e dou de cara com um rosto perfeito, sem marcas, sem rugas, irritadamente perfeito, como se fosse feito com um pincel. A barba escura e pouco espessa o deixavam com um ar misterioso, em perfeita harmonia com um par de olhos azuis, mas não um azul comum, eram como dois pedacinhos do céu, aquele céu que os poetas chamam de brigadeiro, intenso e belo, mais muito belo. Pelo amor de Deus, o homem era um poço de beleza e perfeição e a regata preta ajustada em seu peito trabalhado apenas me faziam querer babar.

O Beijo do Sertanejo (AMOSTRA)Where stories live. Discover now