Capítulo 01

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Fernanda

Acordei com um bipe insistente. Era meu telefone celular que vibrava em cima da mesinha de cabeceira. Tateio em busca do aparelho pois poderia ser um dos meus sobrinhos. Havia os deixados cada um em um canto diferente da cidade e se caso algo de ruim houvesse acontecido, não me perdoaria nunca.

Guilherme ao meu lado dormia profundamente e esperava que assim permanecesse. Acordar de madrugada o deixava com um péssimo humor pelo resto do dia. Depois de um mês, havia conseguido passar a noite com ele. Meu noivado não andava muito bem e olhá-lo ao meu lado só me deu certeza que precisaria dar um rumo para a relação, mas sempre me faltava coragem.

Conheci Guilherme na Faculdade, quando eu não passava de uma caloura e ele meu veterano. Levei-o em banho maria por mais de um ano até que aceitei a proposta de namoro. Entre idas e vindas, acabei noiva de um juiz. Ele sempre fora ambicioso assim como eu. Queria fazer carreira na magistratura e eu, bem eu... Queria me tornar uma delegada e fazer justiça, prender criminosos. Ele se tornou juiz e eu apenas uma advogada associada, uma excelente advogada tributarista. Por uma infeliz armadilha do destino, enredei para a área do Direito que mais detestava: Direito Tributário. Mas isso me deu dinheiro e segurança para criar meus sobrinhos quando meu irmão foi brutalmente assassinado por traficantes na fronteira com o Paraguai numa força especial para combater o tráfico de drogas.

Encontro o celular com a ajuda das esparsas luzes que entravam pela janela do apartamento do meu noivo. Salto da cama e vou para o corredor, não queria correr o risco de acordar Guilherme. Meu coração desacelerou quando reconheci o número do meu chefe.

- Alô Doutor Alvarenga!

- Fernanda, minha jovem, preciso que você vá à Delegacia imediatamente. – Fala com seu jeito objetivo de sempre. Era um advogado de meter medo, uma raposa do mundo jurídico e muito respeitado.

- Delegacia? Mas são 3 horas da madrugada e eu...

- Quem paga seu salário, Doutora Fernanda?

- O senhor, mas é domingo de madrugada e eu... – Engasgo-me com as palavras diante do silêncio intimidador do outro lado da linha. Eu podia imaginar o olhar incandescente sobre mim mesmo estando numa distância considerável do meu chefe.

- Nossos clientes não têm hora, minha querida advogada! Então, trate de ir para a Delegacia de Entorpecentes o mais rápido possível. – Entorpecentes? Que merda era essa?! Minha especialidade naquele escritório era o Tributário e não o Criminal. Todo o escritório só trabalhava com contendas tributárias. – É um favor que um grande amigo me pediu, Doutora. E sei que você tem capacidade e conhecimento para atender uma questão criminal.

- Doutor Alvarenga, eu nunca atuei na área criminal. O senhor bem sabe que...

- Sem desculpas.

- Tudo bem! Me passe as informações por e-mail. Estou partindo dentro de meia hora. – Eu precisava ir mesmo querendo mandar meu chefe à merda. Liguei o "foda-se mental" antes que soltasse algo de que me arrependeria depois.

- Mais um detalhe! Se encontrar repórteres ou paparazzi, procure ser objetiva e a mais clara possível. – Desconfiei imediatamente que meu chefe acabava de me enfiar numa tremenda saia justa.

- Por que teria que me preocupar com jornalistas, Doutor Alvarenga? – Pergunto encafifada com o que acabara de me falar.

- Você irá atender o Christian Daniel? – Pelo amor de Deus, quem seria Christian Daniel?! Doutor Alvarenga parece ter escutado meu pensamento e responde. – A febre sertaneja do momento!

- Mesmo não sabendo de quem se trata, irei para a Delegacia e darei um jeito em tudo! – Prometo para o velho advogado e que Deus me ajudasse porque não fazia ideia de quem era Christian Daniel. Nunca gostei de música sertaneja mesmo! Mas era bem possível que fosse alguma celebridade, já que a carteira do escritório se orgulhava de cuidar da vida tributária de um par de gente famosa.

Encerro a ligação com um bom dia.

- O que foi, Fernanda? – Guilherme resmunga sem nem abrir os olhos.

- Não foi nada de grave! Tem trabalho me esperando na delegacia.

- Tudo bem! – Responde entre um bocejo e outro. – Tranque a porta quando sair. E não deixe a porta do banheiro aberta enquanto estiver trocando de roupa. – Nessas horas me pergunto o porquê ainda insisto em manter uma relação com Guilherme, tão prestativo, tão romântico que chega a doer. Só que não!

***

40 minutos depois, eu acabava de estacionar meu carro na frente da Delegacia. Calço meus sapatos de salto e aliso a saia antes de fechar a porta. Confiro meu visual no espelho retrovisor e até que estou apresentável por estar usando uma roupa de dois dias atrás, uma saia lápis preta na altura dos joelhos e uma blusa branca de seda. Ali, eu precisava mais do que nunca encarnar a advogada, principalmente, se eu precisasse enfrentar uma horda de jornalistas fofoqueiros.

Olho para os lados e não os encontro. Só podia que Alvarenga houvesse me pregado uma peça. Christian Daniel, veja se isso é nome de homem! Até me lembra aqueles personagens de novela mexicana que minha cunhada costumava assistir. Que Deus a tenha, coitada! Deixou meu irmão e meus sobrinhos tão jovem, fora vítima de um câncer que a consumiu sem dó nem piedade.

- Por favor, eu sou a advogada do Senhor Christian Daniel! – Falo para o moço arás do balcão que me olha com um sorriso sarcástico. – O que foi? – Pergunto irritada.

- Não foi nada, doutora!

- Acho bom! – Respondo sem mostrar os dentes. Ser mulher num meio extremamente machista e competitivo sempre me foi uma complicação. Sussurros e piadas sempre me fizeram companhia, mas nunca me dobrei diante das grosseiras de homens que não têm coisa melhor para fazer. – Preciso imediatamente conversar com meu cliente.

O homem pisca para mim sem qualquer constrangimento e sai em direção a um corredor com uma meia luz.

5 minutos depois, ele volta com notícias do delegado.

- O delegado quer falar com a doutora antes de permitir contato com o detido. – Pelo amor de Deus, onde estávamos?! Eu era uma advogada e a Constituição Federal me garantia o direito de conversar com meu cliente, mesmo que ele fosse um cliente forçado a eu defender, mas era meu cliente, inferno de vida!

- Pois avise para o delegado que é direito do meu cliente ser assistido por um advogado. – Falo num timbre de voz mais alto e chamo a atenção das poucas pessoas que trabalhavam na madrugada.

- Doutora! – O moço me olhou de cima abaixo e me senti em um açougue pronta para o abate. – O botão da sua camisa abriu. – Olho para baixo e constrangida percebo que haviam botões demais abertos e parte da minha lingerie estava totalmente à mostra. Arranho a garganta e trato de fechar os botões até o pescoço. Que vergonha!

- Onde está o delegado? – Pergunto, ansiosa para ter a bendita da conversa com o homem. Sabia que nada me adiantaria ficar discutindo com um mero despachante de ordens do delegado. O melhor era enfrentar a fera e me livrar disso de uma vez por todas. Primeiro domingo sem prazos para cumprir, sem processos para estudar e eu aqui, presa em uma delegacia para cuidar dos interesses de Christian Daniel. Isso não é nome de homem, pelo amor de Deus!

- Bem que o doutor falou que enviariam uma "gostosona" para tentar livrar a cara do playboy metido a cantor!

Paro abruptamente minha caminhada em direção à sala do delegado e pergunto com os olhos em chamas.

- Do que você me chamou? – Vejo-o se encolher e despejo toda minha frustração em cima do infeliz. – Eu pediria desculpas se fosse você e desculpas bem sinceras, pois posso muito bem acusá-lo, senhor Pereira... – Olho para o sobrenome do homem estampado no distintivo colado ao seu colete. – de assédio. Já pensou na dor de cabeça? – Pisco para o infame do agente e piso duro em direção à sala do delegado, rezando para que meu humor melhorasse ou cometeria um ato insano e bem que poderia ser presa junto ao Christian Daniel. Que nome horrível, não me conformo com um nome desses! 

***

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O Beijo do Sertanejo (AMOSTRA)Donde viven las historias. Descúbrelo ahora