Capítulo 4 - Até as garotas do interior do Goiás têm sonhos

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— De quem foi a ideia de me colocar em uma escola particular? Perguntou Victória para a irmã mais velha Roberta.

Roberta estava fazendo a unha com uma amiga da faculdade enquanto Vic ficava andando de um lado para o outro com o uniforme da escola. Ela tinha entrado no meio do ano letivo e até agora, nas férias do final do ano, ela não tinha feito nenhuma amizade.

— Sério, Roberta. Tanta escola pública neste quadradinho e vocês decidiram que o melhor era me colocar no Mystikas.

— Vocês não, papai decidiu isso. Ele só quer o melhor para você.

Desde do falecimento da mãe, Bernardo tentava fazer os dois papéis. De uma forma ou de outra ele se sentiu culpado de estar se livrando da filha cheia de hormônios adolescentes e por isso decidiu pagar a escola mais cara de Brasília, mesmo que isso significasse mais da metade do lucro da pequena loja no interior do Góias.

— ‎Você estudou a vida toda em escola pública e agora faz uma pós na UnB.

— ‎Eu sou uma exceção!

Victória marchou até o quarto e antes que a irmã voltasse ao assunto com a amiga manicure, a garota voltou de sutiã e a blusa do uniforme nas mãos.

— Você sabia que eu sou a única negra da minha sala?

— ‎E daí, Vic? Hoje em dia essas coisas não têm relevância nenhuma.

— ‎Não tem pra você que não é obrigada a alisar ou amarrar o cabelo porque ele é considerado inadequado para os padrões da escola.

— ‎Denuncia eles. A internet vai adorar esse assunto.

— ‎Como se isso fosse melhorar minha vida social.

Victória voltou irritada para o quarto mais uma vez. Roberta contou até três e a irmã mais nova voltou com o cabelo cacheado desamarrado e ainda de sutiã.

— Na boa, ano que vem me matricula na escola pública. Lá eu vou me encaixar e a gente pega o dinheiro da mensalidade e aluga um apartamento maior.

Elas moravam em uma kitnet na asa sul. Havia um quarto, em que elas colocaram as duas camas de solteiro e um criado-mudo, uma sala-cozinha, onde ficava o guarda-roupa, um sofá, duas cadeiras, a televisão, o fogão, o micro-ondas e o frigobar. Também tinha um banheiro pequeno e uma área de serviço que cabia apenas a máquina de lavar roupa e o varal de teto.

— ‎Você não quer entrar na UnB e fazer Relações Internacionais? — Questionou Roberta — Na escola pública eles não dão preparação nenhuma para entrar na universidade e muitas vezes nem têm todos os professores.

— ‎Acho que você devia relaxar mais - Disse Fernanda, a amiga manicure de Roberta — ‎Fazer uns amigos, arranjar um namorado...

— ‎Como se eu não tivesse tentando. As garotas do Mystikas só querem saber do que está na moda e qual o próximo capítulo daquelas séries de menininhas.

— ‎Por que você não volta a escrever? Perguntou Roberta.

Victória se jogou no sofá vazio e esticou as pernas. Quando morava no interior do Goiás ela escrevia livros a mão e entregava aos vizinhos.

— Não é algo que vai me trazer amigos ou um namorado.

— ‎Quem disse? Hoje com a internet você consegue conhecer pessoas com as mesmas paixões que você. — Roberta olhou a irmã revirar os olhos e se virou para a Fernanda — Ela é ótima escrevendo. Tenho um exemplar dela nas minhas coisas. Quer ver?

— ‎Claro.

— ‎Não. Não. Nem pensar. Disse Victória saltando do sofá.

Roberta tirou os pés do joelho da amiga e correu para o quarto. Victória tentou impedi-la, mas Fernanda a agarrou pela cintura. Ela tentou se soltar, mas Fernanda era mais forte do que ela.

Roberta voltou com um caderno pequeno em mãos. Vic sentiu vontade de agarra-lo e jogá-lo pela janela do andar onde estavam. Ela lembrava daquele livro. Ninguém sabia, mas era praticamente uma declaração de amor.

Fernanda continuou segurando Victória enquanto Roberta lia o prólogo do livro. Conforme a leitura, Vic se rendia até parar completamente de tentar sair das garras de Fernanda. Quando Roberta terminou de ler o prólogo, Fernanda e Victória estavam sentadas no sofá.

— Minha nossa! Você é boa mesmo! Posso ficar com esse livro?

— ‎Claro. — Disse Roberta entregando o livro para a Fernanda — E então? Vai me ouvir dessa vez?

Victória olhou para Fernanda folheando o caderno e depois olhou para a irmã.

— Até que não seria uma má ideia.

Roberta sorriu satisfeita. Victória foi até o quarto e pegou o notebook da irmã. Enquanto ela terminava a unha, Vic iniciava mais uma história fascinante.

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