Raízes da infância

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Eu não tenho raízes. 

Arrancaram-me da terra fofa e fértil. Tombaram-me no chão como a uma árvore fraca, mas eu não era fraca. Eu era uma árvore pequena, em formação, verde, com folhas vistosas e brilhantes. Eu tinha um futuro promissor, eu teria um tronco forte, cascas duras e firmes, galhos altos, robustos, e uma copa repleta de flores na primavera. 

É claro que eu secaria no inverno, sofreria, como todo mundo sofre, mas já era esperado. Beberia a água da chuva e absorveria a luz do sol em perfeita harmonia. Tudo teria sido natural, espontâneo, da maneira como deve ser. Mas, obrigaram-me a pular fases de crescimento. Quiseram de mim só o que árvores adultas podem dar. Obrigaram-me a ser a árvore grande e forte que eu não era.

Eu não tenho mais raízes. 

Eu não tenho mais laços. Eu não tenho mais amor por aqueles que deviam ter me cuidado, me protegido enquanto eu não era capaz de fazê-lo. Eu não tive escoras para ancorar meus galhos frágeis em crescimento.

Eu não tenho raízes.

Eu não tenho árvore genealógica, eu não tenho casa para onde voltar, eu não tenho corações abertos para me receber. Eu só tenho a terra poeirenta para rastejar até a poça de água mais próxima e me alimentar de qualquer coisa que possa me suprir do que não me deram. 

Eu só posso cuidar dos restos do que sobrou e tentar me reerguer sem, no entanto, condições de me estabelecer em um chão qualquer.

Eu só tenho essas marcas na alma, essas marcas da infância, da inocência que foi embora cedo demais, essas marcas que ganhei enquanto fugia do destino pior que a morte. 

Eu sobrevivi ao que me fizeram, mas ainda é como se estivesse morta por dentro. 

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