Não diga adeus para mim

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Não diga adeus para mim com essa prepotência, como se não precisasse do meu corpo, dos meus olhos, das minhas mãos, de todos os meus cinco sentidos.

Não diga adeus para mim empinando esse nariz com egoísmo, como se não precisasse compartilhar a cama comigo, como se não precisasse da minha afeição.

Não diga adeus para mim com essa boca amarga que já beijei em tantas noites fartas de prazer.

Não diga adeus para mim, acenando com essas mãos geladas que eu aqueço com sopro quente, oferecendo-lhe o ar dos pulmões.

Não diga adeus para mim com esse desdém, com esse olhar de desprezo, com essa ingratidão.

Eu cuido de você todos os dias. Eu te alimento, eu te limpo, eu te enfeito, eu lhe ofereço o ombro para chorar quando o mundo te rejeita.

Eu te alegro e faço até o impossível para te ver feliz. Eu deixei minha casa, meus amigos, meus amores, minha família, e enfiei meia dúzia de roupas numa mala para te levar aos seus sonhos. Eu realizei todos eles, com muito esforço. O suor ainda nem secou da minha testa e você já quer mais. Você quer sempre mais. Você extrai até a última gota, mas nunca sacia a sede.

Eu te amo, menina. Eu sou a única pessoa que esteve ao seu lado todos esses anos. Eu sou a única pessoa que te protegeu, que deu coragem quando você precisou. Agora você me maltrata, me espanca, me abusa, me deprime, joga em mim todo o seu lixo interior.

Não. Não diga adeus assim, como se não soubesse que eu sou a única pessoa a permanecer, como sempre foi. Eu ainda vou estar de pé, bem ao seu lado, quando todos os outros tiverem ido embora.

Não adianta fugir, meu amor. Porque sempre que você olhar no espelho, eu vou estar lá te olhando de volta.

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