Vem aos poucos, passo a passo, com o vento frio do início da tarde, arrancando das copas das árvores folhas e ninhos. E joga a vida na terra vermelha, joga no chão poeirento pássaros e seus filhotes que ainda não aprenderam a voar.
Vem como um vendaval, um temporal traiçoeiro, destelhando as casas, levantando a poeira que pinica e arde os olhos.
Vem brisa e se transforma em furacão, sem avisos e sem rodeios, tirando do chão as mais firmes estruturas.
Vem astuta, tomando conta de tudo, tomando tudo para si como se fosse um saqueador, incendiando esperanças até restar apenas cinzas e fumaça, roubando a felicidade e a paz dos corações.
Vem quando penso que está tudo certo, que tudo vai bem do jeito que vai.
Vem quando a mesa do café está posta, a fome saciada e a dor anestesiada por analgésicos.
Vem quando as feridas parecem fechadas, e arranha as cascas com unhas geladas, expondo novos filetes de sangue na carne nua.
Vem e vence o calor do sol, o calor do amor, o calor humano.
Vem e leva o verão embora, em pleno Janeiro, urrando como uma besta. E sussurra ideias aterrorizantes ao pé do ouvido, enchendo a mente dos mais frios e mortos pensamentos.
Vem, toda fúnebre, com seu vestido surrado e sujo, e me prende na lama pérfida, no lodo, me afoga na água gelada de suas lágrimas. E eu afundo, sentindo a pressão esmagar meus olhos, metros e metros abaixo da superfície. E lá ela me segura, agarrada à mim, imobilizando meus braços e pernas, me sufocando no negro profundo do seu oceano gelado.
E diz que tudo ficará pior. Diz que o meu medo é real, que o futuro é um buraco negro alimentado por todo o tipo de lixo que se pode imaginar. Diz que sou fraca, que estou doente, que não vale a pena nem lutar para respirar, porque a única solução possível é a morte.
Ela realça meu cansaço e diz que a vida não é mais do que isso. Ela diz que se vive um dia de cada vez, mas que todos os dias são exatamente iguais.
Passam-se as semanas, vagarosas como anos, até que eu reencontre um raio de sol e perceba que ela se foi. Finalmente.
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Onde os salmões vivem?
Poésie"Cinco coisas que você pode ver. Quatro coisas que você pode tocar. Três coisas que você pode ouvir. Duas coisas que você pode sentir o cheiro. Uma coisa que você pode sentir o gosto. Inspire. 1...2...3...4...5... Expire. 1...2...3...4...5...6... On...