O Natalino - @Savio_Batista

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Este é o conto de um homem simples, o qual se tornou responsável por algo grande.

Os pais estavam particularmente desesperados neste natal, "Está muito caro!" eles gritavam "Como vamos pagar por isso?" eles questionavam. Os preços são altos demais, neste ritmo a maioria dos filhos daquela cidade ficará sem ganhar nada este ano.

Mas... A respeitada e gentil associação de caridade da pequena cidade propôs uma grande surpresa para as crianças, e para os adultos que parecem crianças. Prometeram os mais lindos, engenhosos, cobiçados, espetaculares e caros presentes neste natal. A promessa, um tanto quanto peculiar, encheu os olhos de todos com lágrimas e esperança, quer dizer... não de todos afinal.

O prefeito estava perdendo sua popularidade, o preço de sua negligência estava sendo cobrado, em contragosto a ONG fazia maravilhas aos moradores, sempre cumprindo suas promessas. Entretanto o político não deixaria barato, ele teria de tomar uma atitude quanto a isso! E no meio de todas as ideias de seus secretários para afundar de vez aquela associação, surgiu uma palavra que lhe agradou os ouvidos... sabotagem!

Como um bruxo preparando suas poções, o velho prefeito arquitetou seu malévolo plano! Infiltrou alguns de seus secretários entre as pessoas da ONG e assim descobriu que os presentes ainda não foram encomendados, faltava alguém para realizar o pedido. Por meio de sua astúcia, o prefeito fez com que seus agentes infiltrados armassem um esquema para que um membro, pouco conhecido da ONG, assumisse aquela importante tarefa.

"Natalino!" disse o líder da associação "Vá e encontre o vendedor, anuncie o número exato de brinquedos a comprar, nem mais nem menos, vá logo antes que seja tarde demais!" E assim, empurrando o homem do campo para fora de seu escritório, deu-lhe uma folha com o orçamento do pedido. O fato do prefeito ter armado para que o pobre Natalino recebesse a missão não foi por acaso,ele conhecia seu povo, conhecia o eleitorado. E o homem do campo ficou chocado com a simples folha de papel, o humilde trabalhador é analfabeto, esta alma não saber ler e sua timidez o impediu de perguntar, ou ao menos pedir ajuda por aí.

Mas ainda há uma esperança, o vendedor provavelmente sabe ler! Ele pode olhar o papel e facilmente reconhecer o pedido...mas para o infortúnio desta história, o vendedor é um grande amigo do prefeito, o qual já sabia do esquema.

— Senhor Natalino, falta uma semana para o natal, tem certeza que vai querer somente cinquenta brinquedos?

— Só... somente cinquenta? É o que diz aí?

E assim o pobre homem do campo foi enrolado pelo vendedor. Aquela quantia foi para lucrar um pouco com a trapaça e ganhar posteriormente benefícios prometidos pelo prefeito. Natalino não sabe no que se meteu.

E chegou o natal, a cidade se aprontou para a ocasião, o sol alto no céu ilumina os adornos pelas ruas fazendo-as brilhar. Os adultos comentam sobre a beleza das ruas, os idosos reclamam do calor e as crianças imaginamos presentes que ganharão. No centro da cidade o palanque foi montado, os enfeites coloridos, belos tons de verde e vermelho, estendem-se pelas ferragens e a grande faixa com os dizeres "FELIZ NATAL" tremula sobre o palco. O prefeito, conversando com seus assistentes, vê o simples Natalino no meio da multidão e vai a seu encontro, ele o segura pelo ombro e leva-o para cima do palanque, para anunciar a casualidade.

O líder da ONG segura o microfone, o ruído inicial faz todos tamparem os ouvidos por um estante, mas ele ignora o barulho e anuncia com felicidade a chegada do caminhão com os presentes. 

As crianças largam as mãos de seus pais e correm, desesperadamente,de encontro a mercadoria, o carregador tira os presentes da caçamba e entrega para os pequenos primeiros colocados daquela multidão...e só para os primeiros.

"Já acabaram" eles gritam "Só tinha isso?" eles questionam.

— Meu povo — diz o prefeito roubando o microfone das trêmulas mãos do líder da ONG — pelo visto houve um engano, não há presentes suficientes para todas nossas inocentes crianças, devo dizer que essa associação está de palhaçada com vocês!

E os pais se revoltaram! Xingaram como marinheiros bêbados e ameaçaram como a pessoa do outro lado do telefonema que simula um falso sequestro.O líder da associação perdeu as palavras, mas com certeza o prefeito sabia exatamente o que falar.
— Temos aqui a prova da incompetência dessa ONG mixuruca! Eu fiquei sabendo que o responsável por realizar o pedido foi o Natalino e ele é iletrado! Como a porcaria de uma ONG deixa a tarefa importante assim para alguém desse tipo? — os olhares e caretas do prefeito condiziam com seu pensamento de estar no controle, e assim ele decidiu martelar o último prego do caixão! — Diga-nos Natalino, que engano terrível, não é?

— Foi sim né — diz Natalino, com toda sua calma. — por isso eu fiz mais brinquedos.

Como susto o prefeito deu um pulo para trás,gritando"O quê?", ele enroscou o pé nos fios sobre o palanque e caiu lá de cima. Os secretários, apavorados, apressaram-se para descer pelas escadas, mas encontraram o pobre diabo subindo-as novamente.

— O que diabos você disse? — grita o prefeito!

Natalino segura o microfone com as duas mãos e os olhos arregalados. Começou gaguejando, mas finalmente, mais alto que o necessário, disse.

— Eu achei cinquenta muito pouco, então nesses dias, depois do trabalho eu juntei com os meus meninos para fazer uns brinquedos de madeira, né. Tem uns cavalos, cavaleiros, animais, rainhas, dragões... fiz de tudo! Deu para encher minha carroça de tanto brinquedo!

E as crianças que não ganharam nada pegaram os produtos do artesão. As crianças que ganharam largaram o que tinham no chão para receber as lindas esculturas de madeira e até alguns adultos surrupiaram uns. Os mais belos brinquedos já vistos estavam sobrando, todos tinham dois ou mais, todos tinham um brilho no olhar. 

O desejo de se ganhar algo no natal foi realizado, Natalino ficou conhecido dali em diante como o criador de brinquedos, como o salvador da associação, como o melhor artesão daquela cidade. Sejamos francos, mesmo que o natal não seja feito somente de presentes, todo mundo gosta de receber o seu e claro, podemos entrar em um acordo que para que o mundo melhore não basta mudanças governamentais ou presentes, mas sim que as pessoas mudem para melhor, que a cada ano elas se tornem melhores, que sejam boas como o natal.

Acontece no Natal - Antologia de Contos NatalinosWhere stories live. Discover now