I - Entre as Sombras e Neblinas (4)

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O sol começa a morrer deixando o céu, as nuvens e a cidade em tons alaranjados. A brisa suave movimenta as folhas mortas do outono, algumas chegam a flutuar como se estivessem voando por conta própria. Johnny está deitado no quintal e as observa indo para longe, seus olhos castanhos fitam o mundo de uma forma que somente um cão pode ver. Sons, cheiros e imagens dão a ele uma perspectiva que humanos não são capazes de compreender e dentro de sua simplória singularidade ele consegue saber mais do que se possa imaginar.

Johnny fecha os olhos e fareja o ar, mexe as orelhas, inclina a cabeça e abre os olhos para a casa. Ele sabe, ele consegue ver, mas não pode fazer nada. Johnny sabe que não há como salvar sua família do fim que os aguarda.

...

O coração de Carmen dispara, ela chega a sentir a pulsação nas veias de sua têmpora lhe causando uma leve dor de cabeça. E apesar do medo invadir sua mente, seu corpo não hesita em seguir o aviso de seu parceiro, então corre, mas o faz olhando para trás para ter certeza que ele a acompanha. Os dois tentam alcançar a saída desse lugar que um dia foi um lar como tantos outros, no entanto chegar até a porta parece ser impossível, pois não há fim para esse túnel. E que túnel? Não havia túnel algum antes. Senhor Branco segura Carmen pelo braço, ela o olha procurando o que ele quer mostrar e o vê apontando para as escadas que dão para o andar de cima. Ao chegarem ele ainda a puxa pelo braço, aponta novamente, dessa vez para uma porta com flores coloridas pintadas formando o nome Mirian, imediatamente ela a chuta por instinto. A porta abre violentamente, os dois entram, fecham a porta e começam a empurrar os móveis mais pesados para bloquear a entrada. Ao longe se pode ouvir o rangido de madeira sendo cortada por algo afiado que se torna cada vez mais próximo.

– Mas que porra é isso, Branco? Eu quase me caguei toda lá embaixo. Nem estamos armados... Merda! Nem sei que porra é essa para saber o que fazer.

– Não vou afirmar, pois nunca presenciei um, só li a respeito em registros feitos por agentes anteriores...

– Ok... E nesses registros? Diziam como enfrentar isso?

– Ahhh... É. Sim.

– Foda, Branco. Só pelo jeito que fala já sei que não é nada bom.

O rangido cessa diante da porta, fica somente o barulho da chuva lá fora. Carmen encara a entrada obstruída e depois olha para seu parceiro. Ele permanece com o olhar fixo na porta, falando algo baixo em algum idioma desconhecido.

Os móveis começam a balançar e estremecer com as fortes pancadas na porta, pancadas que se intensificam mais e mais começando a rachar a madeira e a afastar os móveis.

Carmen novamente se posiciona na defensiva, mas dessa vez se curva um pouco para baixo deixando um braço em punho fechado para frente e outro braço para trás com a palma em forma de garra. Ela sussurra:

– O que faremos?

– Lutar e sobreviver, Carmen.

Ela o encara surpresa enquanto ele prossegue:

– E na primeira chance fugir daqui.

Os sons das pancadas se tornam mais poderosas, é questão de tempo até a barreira ceder. Ele retira seus óculos deixando visíveis seus olhos completamente brancos, desabotoa seu paletó e se posiciona ao lado de sua parceira. Agora os dois estão de lado, de costas um para o outro, de forma que possam ficar de frente a porta. Mais pancadas e pedaços de madeira sobrevoam acima das suas cabeças, quando um braço muito comprido e enegrecido, com dedos longos e pontiagudos, atravessam a barreira, Carmen fala em um tom forte:

– Anda Branco! Diz que porra é essa.

– Se eu estiver certo, Carmen...

Um urro surge em meio ao barulho de madeira sendo quebrada seguida de grunhidos semelhantes a de animais selvagens.

– É um Andarilho da Noite.

A porta é destroçada arremessando os móveis que serviam de barreira desobstruindo a entrada.

...

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