A consequência da bisonhice

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Sempre o via na livraria que eu trabalhava. Era um cara culto. Vivia para a leitura e para a escrita. Vivia para as artes, para a erudição. Eu era apenas uma bibliotecária que cuidava dos livros que eu vendia.

Ele sempre vinha com os seus belos casacos, seu óculos de miopia para os seus olhos azuis, seu rosto barbudo e encravado, seu corpo magro, magérrimo, pedindo-me livros novos. Eu ia, trazia os últimos lançamentos. Ele escolhia vários, pagava-os e ia embora. Sempre assim.

Cliente de longa data, mas nunca conversávamos. Eu ficava querendo saber quem era aquele homem tão misterioso, exótico, diferente. Tão cheio de segredos, mas vazio, de tão poucas palavras. Ele quase não falava. Eu nunca reconhecia sua voz quando ele chegava.

Essa misteriosidade me chamava atenção. O diferente sempre me atraiu. Arthur, seu nome, foi o único nome de todos os clientes que eu recordo.

Mesmo misterioso, parecia educado demais. Nunca teve uma reclamação, sempre me reverenciava com um bom dia ou algo assim, sempre agradecia.

Um dia, lembro que olhei para o seu dedo. Não era casado. Não sei, talvez tirasse a aliança quando saía de casa, não sei... Mas tudo indicava que aquele homem era solitário e eu, mulher que sou, só queria somar.

Sempre fui assim, amor à primeira vista. Arthur tinha o que nunca encontrei nos homens que a vida me permitiu conhecer: educação. Era um cara aparentemente engajado com aquilo que gostava, logo, era esforçado. E isso também me chamava atenção.

Arthur nunca me cantou. Nunca me passou a mão. Já fui assediada no trabalho, diversas vezes, mas Arthur? Arthur era o homem.

Sempre fui tímida também. Muito tímida. Eu não conseguia olhar nos olhos de alguém quando eu falava com esse alguém, principalmente quando eu devia olhar, mas não olhava nos olhos de Arthur. E, por ser tímida, nunca contei minha paixonite por ele para ele. A timidez fez com que eu nunca fosse sua amiga, nem que sequer pedisse o seu número. Eu tinha medo de falar que eu sentia algo por ele. Que, quando ele vinha e eu sentia o seu perfume, meu coração acelerava. Mas nunca contei, nem contarei.

Fui demitida semana passada. A livraria fechou, pois a demanda, de uns tempos pra cá, caiu muito. Depois disso, fui algumas vezes esperar Arthur na porta do meu antigo trabalho. Decidida, contaria tudo para ele, diria que o amava, que sua educação, seu comportamento, seu mistério me encantava. Mas Arthur nunca veio. E por ele nunca vir, eu desisti, de coração na mão, como alguém que é obrigado a desistir por circunstâncias que a vida oferece.

RetratosWhere stories live. Discover now