CAPÍTULO • 05 (Degustação)

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Pego o celular e me sento sobre um dos aparelhos de musculação. Abro em um dos vários jornais que publicaram a nossa fotografia. Quando a avistei pela primeira vez, fiquei perdido em comparações. Mas, mesmo de costas, sei que é Lara em meus braços, pois as lembranças entre Petrova e eu foram sendo apagadas pelo tempo pouco a pouco e agora só consigo evocar alguma recordação de seu rosto quando manipulo as antigas fotografias de nós dois que jazem no fundo do almoxarifado, junto com todas as velharias que minha família não gosta de lidar.

Com um suspiro, rendo-me à dura realidade e me preparo para enfrentar a noite. Saio da academia com uma toalha pendurada nos ombros e corro em direção à entrada da mansão. É o imóvel mais luxuoso da cidade, um casarão histórico que conserva todos os detalhes do século passado. O jardim se propaga por vários metros, ostentando todo o tipo de flor, arbustos e árvores, sem mencionar as peças de mármore e ferro retorcido que complementam a decoração externa.

Agora que a noite vai ganhando espaço no céu, as luzes acesas dos postes rústicos produzem uma atmosfera romântica.

Abro a porta muito devagar, com a intenção de passar despercebido. Desde que descobriu meu retorno definitivo para a Rússia, minha mãe se tornou ainda mais paranoica, como se eu fosse mudar de ideia a qualquer momento e fugir para longe exatamente igual da última vez.

No entanto, assim que solto a maçaneta com a maior cautela possível, escuto o estalo característico dos saltos de Tatiana sobre o piso marmorizado. As joias tilintando em sincronia com seus movimentos fazem lembrar a melodia de uma orquestra muito ruim.

É a minha mãe, eu a amo assim.

— Está de volta? — pergunta como se eu tivesse ido para muito longe.

— Sim, mãe. Preciso me arrumar para o jantar.

Mamãe estreita os olhos e sustenta o meu olhar, como um urubu que aguarda a próxima refeição se entregar para a morte. Sua nova distração é tentar descobrir quem era a mulher da fotografia a qualquer custo. Decidimos não contar nada sobre o acordo, ela jamais entenderia. E ainda não sei como confessar que tenho planos de casar com a irmã da minha ex-noiva morta. É bizarro demais, mesmo para a mulher mais bizarra do país.

— Vai sozinho? — sonda com o indicador batendo sobre os lábios pintados de vermelho, em uma personificação feminina de Sherlock Holmes.

— Na verdade, não. Vou levar uma pessoa. — Coloco mais lenha na fogueira só para assistir seu rosto se iluminar.

— Quem é ela, Ivan?

— Vai saber hoje, mãe. Só tenha cuidado para estar sentada quando a notícia chegar.

Pronto, é o suficiente para alimentar a curiosidade dela e garantir uma tortura auditiva durante minhas três próximas encarnações. Enquanto subo as escadas, ela me segue com a voz exasperada.

— Eu a conheço? De onde ela é? Veio com você dos Estados Unidos? Vocês estão namorando? Ivan!

— Sim. Daqui mesmo. Não. Ainda não. — Abro a porta do meu quarto e me viro para garantir que ela não me siga. — Mãe, você precisa parar com isso.

Fecho a porta e tranco com a chave em busca do mínimo de privacidade. Tenho medo que ela decida invadir o banheiro da suíte para me afogar na banheira caso eu não revele a identidade da mulher. Ainda a escuto murmurar qualquer coisa sobre querer um neto o mais breve possível antes de finalmente se afastar.

* * *

Roman é o único fascinado por novidades tecnológicas do mercado automotivo, dirigir carros e motos potentes é o seu passatempo preferido, mas hoje eu e Lara precisamos ser o centro das atenções, então dispensei o motorista e a limosine e escolhi um dos vários automóveis chamativos da família.

Entre Perdas e Ganhos | LIVRO 1 | DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now