CAPÍTULO ÚNICO

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      Sofia sempre soube que não haveria escapatória, não importava aonde fosse seu pai iria encontrá-los. O amor que sentiam um pelo outro acabou os condenando, mas houve uma força dentro dela que a impulsionou para aquele fatal destino e naquele momento a fazia não temer o que a esperava, o amor.
      Logo ela ouviu os passos que subiam as escadas tornarem-se mais nítidos, aninhou-se um pouco mais ao corpo de seu amado e agradeceu por ele estar mergulhado em um sono profundo, assim ela poderia abraçar sozinha a agonia. Quanto mais eles chegavam perto mais ela apertava a Eduardo. Ele descansava como uma criança dentro do útero materno. Só foi acordado pelo estrondo que se fez ouvir quando a porta foi arrombada.
     Sofia esforçou-se ao máximo para não se desvencilhar de Eduardo, mas com o barulho ela não conseguiu contê-lo.
      Lado a lado eles viram aparecer a imagem de Alfredo, o pai da moça, seguido por Vicente e Adalto seus capangas. O silêncio permaneceu cortando-lhes o ar. Após dar uma tragada em seu cigarro, Alfredo o quebrou dizendo: "As melhores roupas, os melhores colégios, você foi educada para se tornar uma dama, te dei carinho e amor. E tudo isso pra quê? Pra você fugir com esse rato de esgoto?"
      "Pai tenha piedade, por favor" disse Sofia em prantos.
      "Eu terei piedade de você, pois tem meu sangue. Mas esse desgraçado não terá a mesma chance."
      "Eu não tenho medo", disse Eduardo com convicção em uma tentativa de convencer a si mesmo do que dizia. Por fim, virou-se para Sofia e lhe disse: "Te amo minha pequena, não se esqueça nunca" e lhe deu o mais intenso de seus beijos, sendo arrancado dos seus lábios segundos depois pelos capangas do pai dela que lhe seguraram perante ele, enquanto o mesmo carregava a arma.
      Do outro canto do quarto, Sofia assistia a tudo em choque. Em uma última tentativa de protegê-la, ele sussurrou: "feche os olhos" e o fez em seguida.
      Ouviu-se o disparo da arma, porém, para sua surpresa estava ileso.
Mas caída aos seus pés estava a mulher que amava.
Sofia havia se jogado em frente a bala para o proteger e agora estava com o peito ensanguentado, respirando com dificuldade.
      Ele temia pelo pior, e disse: "Eu te amo", tentando conter as lágrimas para não alarmar sua amada.
      "Eu também te amo" ela disse tocando-lhe ternamente a face.
      "Prometa-me que vai ser feliz Eduardo".
      "Nós vamos ser felizes juntos meu amor", ele disse desejando mudar aquela realidade cruel.
      "Prometa Eduardo" ela disse em um tom firme gastando o máximo de suas forças.
      "Eu prometo meu amor" ele disse, entregando-se enfim às lágrimas. Ela por sua vez o aproximou com a mão que estava pousada em seu rosto e disse: "Eu quero ir sentindo seu beijo", ele então a beijou, terna e suavemente, como na primeira vez quando era apenas um peão na fazenda de Alfredo e ela, uma garota voltando de uma viagem a Europa.
      Aos poucos ele sentiu a vida se esvair de sua amada e a boca, outrora quente e vívida, tornar-se gélida e seca.
      Ele fora correndo em busca de satisfação, mas antes que pudesse falar algo, ouviu um novo disparo ecoar no quarto. Era Alfredo, que se suicidara.

Anos depois

      Eduardo ainda visitava o túmulo de Sofia em sua data de aniversário. Havia feito isso religiosamente, não por que se sentia obrigado, mas sim para celebrar o amor de ambos que mesmo depois de vinte anos se mantinha vivo dentro de seu coração.
      Dessa vez ele não contou sobre sua esposa ou nenhuma novidade sobre seus filhos, apenas ficou em silêncio acariciando sua foto. Por fim, após depositar sobre o túmulo o buquê de violetas, suas flores favoritas, disse: "Eu vivo porque te amo, porque você me deu a vida, porque você vive em mim.", então levantou-se e se foi.

Victor Pacheco

O CONTO DOS DOIS AMANTESOnde as histórias ganham vida. Descobre agora