Capítulo 36

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Jantar?

Finalmente eu entendi, depois de meses no escuro me questionando sobre tudo e todos, sem enxergar completamente a verdade, eu entendi...
Pela primeira vez, tudo fazia sentido, as peças do quebra-cabeça confuso que minha vida havia se tornado se encaixavam e só conseguia pensar em quão tola havia sido em relação àquilo.
Ares havia me odiado desde o momento que nos conhecemos. Toda a sua raiva lançada contra mim, suas palavras venenosas, o olhar gélido em nossa primeira conversa faziam sentido agora. Independente de ter conhecimento sobre aquele mundo, aos seus olhos eu devia ser alguém desprezível por fazer parte dele, pelas coisas que meu pai fez, simplesmente por ter o sobrenome Novaes comigo e o sangue de Alexander correndo por minhas veias.
Ele me culpou — não precisei perguntar, a certeza veio tão rápida quanto um jato — pois eu também era um dos motivos para toda a dor estar de volta em sua vida, por ter que caminhar de volta ao inferno com um sorriso no rosto mesmo que por dentro estivesse chorando e com medo por saber que não conseguiria sua liberdade nunca mais.
E agora, Ares me amava, de alguma forma insana e irônica, ele me amava.
Não fazia ideia de como isso podia ter acontecido ou até mesmo a razão, aquilo não era uma coincidência, parecia ser algo maior que nós dois, como se já estivéssemos juntos desde o dia da criação do universo e em diante. Toquei seu rosto com a ponta dos dedos. Eu podia sentir a mesma coisa por ele? Com essa mesma intensidade?
Não queria ir embora ou fugir daquilo, parecia impossível caminhar para longe depois de tudo mas também tinha medo de me tirarem o chão e eu desabar no vazio mais uma vez, como havia acontecido tantas vezes. O que eu estava pensando? Sentia algo assim pelo brutamontes?

- Essas cicatrizes criaram um monstro, Chloe. – Sua voz embargada me fez despertar, sabia que não devia o pressionar mais com toda essa história. – As coisas que fiz durante meus anos na Bratva, as pessoas que matei e feri. Prometi à Heron Mabboux, a única pessoa que me tratou realmente como um filho, que nunca mais faria essas coisas, eu finalmente estava em paz e então, quebrei meu juramento...

Ares mais parecia uma criança pequena que havia sido muito machucada pela vida, seus olhos de um azul como o céu claro num dia de verão estavam perdidos enquanto tentava de todas as formas não olhar nos meus, os ombros caídos pelo cansaço de dias de esforço.
Queria chorar pois sentia sua dor, abraçá-lo e não deixar que nada mais no mundo o ferisse.
Como tantas coisas ruins podiam acontecer com uma única pessoa?
Eu estava sendo tão egoísta, realmente egoísta. Não menti apenas para os outros, também estava mentindo para mim. Sabia o porquê de não conseguir fugir mas mesmo assim tentava me enganar, sabia o porquê de estar perdida sem conseguir dar um passo sequer para longe, o porquê de não conseguir o odiar mesmo que tentasse, o porquê de minha cabeça ser a única coisa em meu caminho ou o porquê de medir todas as minhas escolhas para não errar mais uma vez. Tentava ser racional em algo que estava muito além da lógica e razão. Procurava por respostas que eu já tinha, embora estivessem guardadas dentro de mim. Estava tão perdida que nem conseguir notar quando já não vivia apenas para mim. Podia não dizer em voz alta, ou não querer admitir mas pelo menos devia parar de mentir e ser honesta ao menos uma vez na vida...
Eu gostava dele. De uma forma cômica e louca, eu gostava dele.
Isso era possível? Estava realmente acontecendo?
Como um filme passando por minha cabeça, revi nossa história, desde nossa primeira conversa até agora.
Tivemos um começo tão errado e feio, como uma faca de dois gumes que feria ambos os lados. Estava machucada pela perda de meus pais e ele pela a de seu irmão. Nos odiávamos, não tínhamos confiança e fizemos tanta besteira que não podia indicar quem estava mais errado, mas foram as coisas que a vida impôs que fez com que nos perdêssemos pelo caminho e chegássemos à esse ponto.
Mesmo presos — por correntes invisíveis que só existiam em nossas mentes — a tantas regras e condições, conseguimos achar o caminho de volta à luz, até que essas correntes simplesmente já não existiam.
Não havíamos nos apaixonado a primeira vista como em contos de fadas, porque não éramos um. Não havíamos nos jogado em um precipício de emoções sem antes termos certeza do que fazíamos e para onde íamos. Não tínhamos ilusões sobre quem éramos, havíamos visto o pior de cada um, até que finalmente conseguimos despertar o melhor de nós mesmos.
Dei um sorriso fraco, realmente fizemos de nossas vidas um inferno quando tudo podia ter sido muito mais simples, se resolvido mais facilmente. Esse era nosso problema, não éramos o tipo de pessoas que se contentavam com algo simples. E agora tínhamos dois filhos no meio de tudo isso, um que nem havia realmente chegado ao mundo e outro que ainda estava crescendo e conhecendo o mundo.
Escondi o rosto na curva de seu pescoço e meu sorriso aumentou, éramos realmente sortudos...

Ares - Um Boxeador MafiosoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora