Suzi Ohana - Parte I

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Dedico com carinho a todos nós cheios de sonhos, Suzis e Valdizões!

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Por Suzi...


Sou a Suzi Ohana, mas nasci Simão Pedro Rodrigues.

Meu pai, Sebastião era um homem semialfabetizado e pregador na congregação do bairro, percebeu cedo que eu tinha "talentos" diferentes e o único dos cinco filhos que seria baitola, como se referiam a mim pelas costas.

Como que um homem que prega o que está na Bíblia poderia aceitar ter um filho acusado de ser uma abominação? Que moral ele teria, para falar de Deus tendo um "pecador sujo" em casa? Euzinho, um menino pequeno sempre alegre, afeminado, doce e amoroso, mereceria perecer no fogo dos infernos?

Fui um menino recatado, criado em uma família assembleiana e desde muito novinho, eu queria ser Suzi, é óbvio que não teria uma história de vida muito feliz.

Sinto muito se alguém esperava uma tragédia, espancamento e intolerância dentro de casa. Mas meu pai pregava com mais fervor ainda a paz, amor e compaixão. Foi dentro de casa que recebi amor, fui abraçado e orientado a fazer as coisas certas na minha caminhada.

Logo, a religião para mim não era motivo para afastar-me de Deus, mas de religação ainda mais forte com ele. Cada um de nós tem sua própria fé.

Do meu passado trago essa cena nas memórias...

Um dia meu pai voltava de bicicleta do centro e viu seu filho Simãozinho tomando uma surra, sendo chutado e chamado de viado e putinha. Bastião deu de cara com a cena de violência e gritou ameaçador:

— Larga meu filho agora ou dou com um cabo de enxada nas costas de vocês! Sumam daqui! Bando de coisa ruim.

Ele podia ser evangélico, reto, temente, mas era justo e eu, seu filho mais novo era seu xodó, seu sangue e sua carne. E depois, na cabeça daquele pregador, o amor só se prega quando se sabe amar de verdade. E esse amor, fez meu pai descer da bicicleta velha para me socorrer, limpar o machucado na minha boca que sangrava, com sua camisa de trabalho toda suada.

Muito cedo ele foi requisitado pelo Patrão lá de cima. Papai foi atropelado no acostamento da rodovia BR 101 e mesmo que o condutor do veículo tenha parado para prestar seu primeiro socorro, não havia muito que pudessem lhe fazer. Basta que eu diga que a caminhonete quando bateu na bicicleta, o atirou muito longe e na queda ele bateu a cabeça, falecendo no local.

A família chorou de saudade e ainda choramos com a lembrança daquela pessoa que deixou de exemplo o amor ao próximo, especialmente para eu Simão, seu único filho gay.

Eu tinha doze quando ele se foi e dezessete quando a mãe caiu de cama. Ficou quase sessenta dias internada e os médicos só diziam que estavam fazendo exames para terem certeza do que ela tinha. De lá ela nunca saiu, outra vez eu precisei me despedir de um grande amor de minha vida quando ela segurou apenas um de meus dedos e apertou:

— Simãozinho, não chora, a gente vem pra esse mundo, mas não é pra ficar aqui. Passa tão rápido, é só o tempo de cumprir a nossa missão. Foi assim comigo. Não chora. Ora para que eu não sofra. Prometa antes de eu ir, que nunca vai se afastar de Jesus...

Eu cumpri a risca, indo pelo menos uma vez na semana à igreja. Mesmo quando olhares tortos eram lançados sobre minha pessoa, eu suportei pelo amor aos meus pais e a promessa que fiz. Depois mudei de igreja onde me senti mais confortável e prossegui com minha vida sem me importar muito com as pessoas e suas pedras nas mãos. 

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