-8- Will

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Quanto tempo tudo ficou escuro, eu não sei. Mas por um tempo tudo ficou em profundo silêncio até uma voz familiar surgir como uma luz na escuridão. – Pequeno Will... – não sei porque mas aquela voz me fez sorrir, ela tinha cheiro de farinha.

Depois disso só lembro de estar chacoalhando, parecia que estavam mexendo meu cérebro, abri os olhos, eu estava deitado contemplando um teto cinza. Eu estava num carro, no carro da Sra. Mirian, que dirigia nervosa. – Pa-para o-onde está me levando? – consegui grunhir.

– Oh você acordou, graças a Deus. Estou te levando pro hospital! – falou ela um pouco mais aliviada. – Não, não mesmo, pode esquecer... – ela pareceu atordoada.

– Você não está bem, precisa...

–Preciso ir pra casa e comer alguma coisa, eu não comi nada. Estava ansioso demais pelo jogo de hoje me esforcei demais e por isso passei mal. – a interrompi. Nem sei como pensei tão rápido e respondi ainda mais rápido com toda a dor que eu estava sentindo. Ela pareceu pensar sobre o que eu te disse.

– Vocês jovens não deviam o ser tão descuidados, Ágata tinha razão. – eu sorri e seja lá o que a avó dos irmãos Galegos tinha razão convenceu Mirian, ela já estava fazendo o retorno. Voltei a olhar para o teto aliviado também.

– A senhora tem toda razão! – concordei com ela.

– Vou te levar pra casa, me prometa que não vai mais negligenciar suas refeições, sim?!

– Eu prometo, nunca mais! – continuei com os olhos fechados, com o braço descansando sobre a testa. – Você é um bom garoto, iria deixar seu pai muito preocupado hoje...

Meu pai.

– Sra. Mirian, já ligou pra ele?

– Oh eu tentei, mas ninguém atende na sua casa, eu ia retornar a ligar assim que chegasse ao hospital. – então uma imensa onda de alivio me cobriu. Nem mesmo sabia se conseguiria convencer meu pai a não me levar ao médico quando resolvi ligar pra ele, mas agora eu tinha carona até em casa, iria para meu quarto, para os meus analgésicos e tudo ficaria bem. Por pelo menos mais um dia.

– Fiquei sabendo que seu time ganhou, meus parabéns! – falou ela me tirando dos próprios pensamentos.

– Oh sim, ganhamos, foi um belo jogo. A senhora assistiu?

– Não, cheguei no fim, pude ouvir os gritos de comemoração da secretaria.

–E o que fazia na escola?

– Vim fazer a matricula de Amber. – falou animada.

– Certo, Amber. E onde ela está?

– A deixei no centro com Ágata antes de vir.

– E quando ela começa? – tentei parecer interessado, mas não consegui por muito tempo, só pensava em como Amber iria parecer deslocada e estranha para toda a escola. Vanessa tinha razão, ela não seria uma boa companhia. Talvez se não nos encontrássemos nem pensariam que a conheci.

– O que você acha, pequeno Will? – fui pego de surpresa ao ouvir meu nome, não estava prestando atenção no que a Sra. Mirian estava falando, me distrai, mas ela sorria e parecia esperar uma resposta. Então eu sorri também e falei: – Ok ok, claro!

– Ah obrigada, você é um rapaz adorável. Você não tem ideia como me tranquiliza. Só de imagina-la voltando da escola sozinha... – Vanessa iria me matar. Oh meu Deus, eu havia acabado de concordar em voltar da escola com Amber.

Bati com a mão na testa. Vanessa havia me beijado e àquela altura ela devia ter me enviado umas 100 sms com as diferentes formas que escolheu pra me torturar e matar.

– Algum problema?

– Na-não, nenhum, só queria dizer muito obrigado!

– Não precisa agradecer, somos vizinhos a tanto tempo, eu te vi crescer... – É, ela viu mesmo. Me tornar um idiota, como eu não reparei que Vanessa...Caramba, ela me beijou.

Quando chegamos, eu falei uns mil obrigados e corri pra casa, fui direto pro meu quarto e me certifiquei em trancar a porta dessa vez.

Fiquei de frente para o espelho como das outras vezes tentando ver minhas costas, as vertebras adicionais que eu adquiri estavam ainda mais proeminentes.

Havia um ponto brilhante no espelho. Era uma janela, olhei para trás. Meu espelho ficava bem de frente a minha janela, e minha janela ficava paralela a janela da casa da Sra. Mirian, o agora, quarto de Amber. Eu nem notava isso antes, porque aquela janela quase nunca ficava aberta, mas desde que Amber chegou as coisas mudaram. Ela estava lá, olhando pra mim.

Me aproximei do beiral da janela, mas ela não demonstrou qualquer reação de reconhecimento, apenas continuava me olhando.

Seu cabelo assimétrico que lhe cobria uma parte do rosto, as olheiras profundas e roxas, contrastando com sua pele pálida, seu rosto ossudo, seus ombros caídos. Ela tinha um nariz pequeno e uma delicada boca, lembrava uma boneca de porcelana macabra. De tanto olha-la ela vai se tornando mais agradável aos olhos, como quando ouvimos uma palavra nova e estranhamos seu som mas depois de um tempo usa-la parece algo natural. Isso, talvez com o tempo, o pessoal na escola nem ira mais estranhar Amber e ela vai ser tão comum quanto qualquer um.

Resolvi acenar para ela, mas quando o fiz ela fechou as cortinas. Fiquei me sentindo bobo, com a mão acenando pro nada.

– Então ta. – se ela não queria fazer amizades, melhor assim, não me sentiria culpado quando fosse ridicularizada por Vanessa e suas amigas. Vanessa.

Eu devia ligar pra ela. Mas o que vamos conversar não é assunto por telefone. Não mesmo. Ela me beijou, na frente de todo mundo, e eu sai correndo...Ela deve estar pensando milhões de coisas agora. Amanhã eu falo com ela. Amanhã.

ClepsidraDove le storie prendono vita. Scoprilo ora