Capítulo 16

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Comecei a ficar mais distraído que o comum. Já não tinha o mesmo foco no trabalho e acabava delegando todas as atividades para a estagiária e até mesmo para meu irmão que se mostrou excepcional além da sua área de tecnologia da informação. Até que ele levava jeito para publicidade, não imaginava que teria todo aquele espirito criativo. Saía antes do expediente acabar com inúmeras desculpas, ou então ficava mais tempo na empresa para chegar mais tarde, tudo para evitar encontros desagradáveis com a nova vizinha pelo corredor do prédio. O fato de ficar mais tempo não significava aumento de produtividade, apenas uma procrastinação, uma tentativa de fugir das coisas que me assombravam.

Obviamente que o plano não foi um sucesso por muito tempo. Não se pode evitar certas "fatalidades", e foi bem isso que aconteceu em um domingo, o famoso almoço de boas-vindas que estava sendo adiado por quase um mês.

Demorei tanto para tomar a atitude que foi ela quem me convidou para o almoço, me obrigando pelo menos a comprar uma sobremesa para não chegar de mãos abanando. Fiquei envergonhado pela falta de educação, mas aleguei estar atribulado na agência, quando no fundo eu estava emaranhado em meu lençol pensando em uma maneira de sair fora daquele inferno.

O jeito mais simples era o óbvio: terminar a relação com o Fábio e partir para outro lugar. Da mesma maneira que recomecei uma vez poderia recomeçar novamente, o problema é que não desejava terminar com ele.

No fundo alimentava uma esperança de que um dia poderia dar certo, que ele acordaria disposto a dar uma chance para nós dois não como cumplices de um crime extraconjugal, mas como uma parte importante da sua vida que ficaria na página principal e não como um rascunho engavetado.

Acho que todo amante sonha com esse dia, o dia que deixará de ser cama para ser uma parte especial do coração, ao menos que sua vida esteja diluída no propósito do prazer, nesse caso, tanto faz o final que venha se concretizar. O propósito do prazer não se repete, é ao acaso e não se prende a detalhes. Se existe frequência, mesmo que essa frequência seja a cama, tenha certeza que em algum momento a bomba vai ameaçar explodir, e quando isso acontecer, tenha em mente que quem perde é o lado mais fraco, é o lado que mergulha de cabeça, que sente falta, que se preocupa.

Enviei inúmeras mensagens para ele antes de ir, mas por algum motivo não me respondia. Minha vontade era de cancelar tudo aquilo, mas quanto mais eu adiasse pior seria.

Cheguei perto do meio-dia em seu apartamento com o pudim de leite condensado nas mãos que mais pareciam duas pedras de gelo tentando sustentar aquela montanha de açúcar tamanha era minha ansiedade. Estava despojado, vestindo uma camisa polo preta, bermuda jeans e um tênis antigo, um tanto surrado.

A primeira surpresa foi quando ela me recepcionou. Fiquei aflito em vê-la tão de perto com aquele sorriso simpático e um olhar convidativo que me inibia pelos infinitos pensamentos que me vinha a cabeça ao lado dele.

"Respire fundo Eduardo, e expire lentamente", dizia a voz da minha mãe em minhas memórias como um mantra sagrado.

Meu corpo travou por alguns segundos na porta até voltar à realidade e cumprimenta-la com um singelo beijo no rosto e retribuir o seu sorriso com os meus dentes escancarados de maneira forçada.

Entreguei o doce para que ela guardasse na geladeira enquanto a mesma fazia a famosa cerimônia do "não precisava se preocupar" e os meus olhos ficavam vagando pelos cômodos em busca dele, tentando me preparar para o pior. Uma playslist animada tocava na TV de 40 polegadas que ficava na sala junto de móveis rústicos e com pouca decoração.

Ela, E Eu?Onde as histórias ganham vida. Descobre agora