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Felipe estacionou seu Gol de cor preta em frente a sua casa. Ainda era cedo para chegar, mas sua mãe pediu que se preparasse pois ela o buscaria. Hoje era dia de jantar fora.

Sua mãe fazia isso uma vez por semana. Era um dia tirado da rotina para ambos descansarem.  O dia em que nenhum dos dois teria que cozinhar.

Alçou a mochila nas costas e saiu do automóvel. Acionou o alarme e se afastou para observar a casa da frente.

Felipe franziu as sobrancelhas ao ver a janela vazia.

Onde Gustavo estava?

Mais uma coisa quebrada em sua rotina. Felipe já estava acostumado a chegar em casa e ver o vizinho na janela do andar de cima. Ele sorria e acenava, Gustavo retribuía.

Felipe sabia que Gustavo estava passando por uma fase difícil.

Ele queria que os pais de Gustavo lhe aceitassem assim como sua mãe o aceitou quando contou a ela que era bissexual.

Felipe soube que Gustavo era gay no momento que o viu, quando foi pedir os pregos emprestado. E sabia que Gustavo só ficava na janela toda os dias porque tinha uma queda por ele.

Felipe também gostava de Gustavo, mais do que deveria. Ele via no jovem seu reflexo quando tinha a mesma idade.

Sabia que Gustavo estava sofrendo e sendo rejeitado por sua orientação sexual. Mas não se aproximava demais por medo.

Medo de se apaixonar.

Felipe também sentiu alguma coisa quando viu Gustavo pela primeira vez. Mas o jovem era quase três anos mais novo que ele (dois anos agora, já que seu aniversário passou). Felipe sabia que Gustavo era um jovem inexperiente, desses que se apaixona perdidamente. Por isso tinha medo de magoar o vizinho.

Mas agora se sentiu triste ao ver a janela vazia. Na sua cabeça surgiu a ideia de que Gustavo finalmente achou um garoto legal, alguém para se descobrir junto com ele.

A ideia não lhe agradou. E decidiu ocupar os pensamentos com outras coisas.

Quando estava na varanda de casa viu um pedaço de papel na porta da frente.

Para Felipe.

Dizia as letras escritas em cor vermelha. Estranhou aquilo e se abaixou catando o papel dobrado.

Abriu com cuidado e quando começou a ler seu coração falhou.

 

" Oi Felipe.

Aqui é o seu vizinho stalker. Aquele que está na janela te observando todas as tardes quando você chega.

Acho que deve está se perguntando o motivo de não me ver na janela esta tarde, ou talvez não (eu torço que sim).

Eu sabia que você seria o primeiro a chegar e achei justo deixar um recado para você e para minha família.

Não sei se sabe, mas eu sou gay.

Pois é. Que surpresa!

Você deve está fazendo uma careta agora, lembrando das vezes que estávamos juntos e se perguntando se eu estava afim de você.

A verdade é: eu estava.

Você foi o primeiro cara por quem eu realmente senti algo. Não uma paixonite adolescente. Algo real. Do tipo que faz nosso peito ferver.

Mas a minha vida estava uma merda. Sério, de verdade. Eu já não estava mais suportando.

Já não aguentava mais ver meu pai me olhando torto, minha mãe me encarando com decepção e meu irmão fingindo que era filho único.

Estava insuportável ver as pessoas (os caras principalmente) se afastarem de mim quando eu chegava.

Porque, por algum motivo, a maioria dos héteros acha que todo gay está afim de pegar eles. É ridículo.

Mas o pior veio quando meu pai me levou a um psicólogo. Você sabe, minha orientação sexual é considerada uma doença. Algo que pode ser revertido por tratamento psicológico.

Mas não pode.

Porque isso é o que eu sou, que eu sempre fui e isso nunca vai mudar. Eu não precisava de cura. Precisava de apoio, mas não tive isso.

E viver com todas as pessoas ao meu redor me tratando como se eu fosse um leproso me doía. Doía muito mesmo.

E eu não consigo mais aguentar isso. Nem por um segundo.

Quando meus pais chegarem avise a eles que tem uma carta em cima da tevê. Garanta que eles leiam, por favor.

Não se assuste quando as ambulâncias chegarem. Vai ser tarde demais.

E por favor, não vá me olhar quando estiverem levando o meu corpo. Eu não gostaria que me visse naquela situação.

Obrigado por ser tão gentil comigo.

De seu vizinho (stalker) Gustavo".

Felipe sentiu as lágrimas descerem pelo rosto. Olhou para a casa do outro lado e foi como se tivesse levado um soco. Jogou o papel para longe e correu até está na porta dos vizinhos.

Estava trancada.

Gustavo! Gustavo abre a porta! Não faz isso Gustavo! Não faz isso... — Felipe socava a porta de madeira com violência.

— Mas o que é isso? — Felipe ouviu uma voz grossa atrás de si. Quando se virou deu de cara com o pai, a mãe e o irmão de Gustavo.

— O quê está acontecendo Felipe? Por quê está socando a nossa porta desse jeito? — a senhora de feições dóceis perguntou.

Felipe precisou respirar para falar.

— O Gustavo. Ele... ele... vai se suicidar — não havia maneira fácil de dizer aquilo.

Os três moradores daquela casa ficaram pálidos. Os olhos esbugalhados como se fossem saltar do rosto. Felipe estava da mesa forma.

O pai foi o primeiro a tomar uma atitude. Empurrou o vizinho para longe e arrancou as chaves do bolso da calça abrindo a porta uma rapidez incrível.

Gustavo! Gustavo meu filho! — sua mãe gritou antes mesmo de pisar dentro de casa.

O pai e o irmão correram para o andar de cima. A mãe foi atrás, com a mão no peito e o rosto vermelho.

Felipe foi direto até a televisão. E lá havia mais um envelope branco.

Era a carta para a família. Mas Felipe não se aguentou.

Sua curiosidade falou mais alto. Queria ler as últimas palavras do garoto.

A Cura Para GustavoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora