Parte 2 - 5

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Após ver o polonês triste com a morte de Heiko, pouco se passou pela cabeça do menino. 

Do pouco, algo em particular pôde ser aproveitado. Que era sobre o porquê da reação do homem.

''Ele está assim porque perdeu mão de obra. Não é racional ter empatia por um escravo'', pensou. 

O rapaz, depois de perceber que o corpo não tinha mais vida, fechou suas pálpebras.

Ele levou-o mancando para fora da estrada. No lugar que podia ser chamado de calçada, cavou um buraco. Tendo em mente a largura da escavação, o homem encaixou o corpo nele na posição fetal. 

Ajoelhou-se ao lado da cova improvisada. Após um tempo, ele cobriu-o com a terra que virava lama.

''Agora ele está sentindo-se culpado. E procura abstrair a culpa para voltar à frieza. Ele está sentindo-se culpado por perder mão de obra. Só por isso. Não é racional ter empatia por um escravo'', pensou.

Ainda mancando, o polonês começou a caminhar na direção de Zero. 

Após ele sentar-se ao seu lado, na pedra, o menino percebeu pequenos cortes em sua cabeça, em lugares que não eram cobertos pelos cabelos loiros. Os cortes, que não pareciam ser do recente acidente, estavam também no rosto.

''Dlaczego nie uciekasz?'', perguntou o homem triste.

''Nie mam dokąd pójść. I nie czuję się jak bieganie'', respondeu o garoto, falando que não tinha para onde ir e nem sentia vontade de fugir ao ser perguntado o porquê de não tê-lo feito.

O homem abaixou a cabeça, e Zero olhou para o horizonte. A água caiu sobre os cabelos de ambos. Pingos caíram sobre a jaqueta sem braço que o menino segurava.

''Ele sabe que eu poderia ter fugido, por isso perguntou. Ele ficou preocupado pela a mão de obra que não teria. Só por isso. Não é racional ter empatia por um escravo'', pensou.

Depois de algum tempo, o homem levantou a cabeça e agarrou o braço de Zero. 

Com seu semblante indo para o de raiva, ele ficou de pé, obrigando o garoto a fazer o mesmo. Começaram a andar na mesma direção que a caminhonete iria.

O menino foi pisando na lama, ensopando o esparadrapo improvisado, enquanto olhava para o rosto bravo e assustador do polonês. Este ainda mancava, mas não expunha qualquer careta de dor.

''Ele agora está agindo como deve. A frieza voltou. Já se aliviou de ter perdido mão de obra. Sabe que não vou fugir. Que ele não vai perder outra mão de obra. Não é racional ter empatia por um escravo, mas com certeza é racional preocupar-se com um número a mais no trabalho forçado. E neste quesito, posso somar e influenciar. Talvez eu não seja mais um completo 'Zero'. Um número maiúsculo que nada soma'', pensou.

*

Escureceu mais ainda. A chuva já havia passado. Andaram por mais de uma hora, antes de avistarem uma grande placa, que estava levemente iluminada por um poste. Na placa dizia: ''Szczecin, wejście''.

O objeto, que anunciava que ali era a entrada da cidade polonesa, fez o homem respirar aliviado. Os dois, ambos sujos e machucados, entraram na cidade.

Continuaram mancando até, depois de uns cem metros, o homem ver finalmente o destino.

Foram recebidos por um senhor que agia como pai do polonês, em um casebre que era cercado por um muro alto de tijolos.

O homem bravo queixou-se de só haver uma criança. O filho mostrou os arranhões no corpo, reclamou do cansaço, falou sobre o acidente e sobre a morte de Heiko.

''Ach... dzięki Bogu, że nie uciekł'', disse o senhor.

O garoto não sentiu a dureza das palavras do velho, que aliviou-se com o fato do outro ''pelo menos não ter fugido'', como foi dito em tais palavras.

Entraram no casebre. O menino foi levado para fora pelo idoso, pela porta do fundo, onde existia um espaço de cultivo e colheita de frutas e vegetais. Mais ao fundo, havia um celeiro.

''Jak masz na imię?'', perguntou o nome dele o idoso.

O menino não respondeu.

''Mały nędzny bękart! Odpowiedz na mnie!'', não como o seu filho, ele exigiu a resposta, insultando o 'pequeno nazista', agarrando seu cabelo e virando o rosto dele para si. 

Foi ignorado novamente. 

E cuspiu no menino quando seus olhares se cruzaram.

O velho berrou para Ludka, uma jovem moça: ''Hej! Ludka! Zadbaj o to, nadaj im imię''.

Ela saiu do celeiro e, de longe, balançou a cabeça, entendendo a ordem.

O homem, antes de soltar o cabelo do garoto, informou-o: ''Zacznij od jutra, mało nazistowskich!''.

Após saber que começaria no dia seguinte o trabalho forçado, Zero limpou o rosto da saliva. 

Pensou, vendo Ludka aproximando-se para levá-lo: ''Não há empatia, mas há raiva. Talvez desta vez ela seja lógica. Talvez eu já esteja somando e influenciando. Talvez eu não seja mesmo mais um completo 'Zero'. Um número maiúsculo que nada soma''.

Desbotador (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora