– No fim da estrada. – disse, com confiança, e sorri.

Não esperei que ele respondesse, fui para o fundo do ônibus e me aconcheguei entre as últimas poltronas. Ele arrancou o ônibus e não parou para pegar mais nenhum passageiro dentro de meu município.

Atravessamos três vilarejos muito rapidamente. As pessoas dormiam em seus assentos, roncando e respirando alto. A sinfonia me fez lembrar os besouros do meu sonho, apesar de eles serem muito mais ritmados que as próprias pessoas. Eles tinham noção de como fazer música com barulhos naturais. Elas, infelizmente não.

Todavia, isso não me incomodava. Tudo estava indo de ótimo à perfeito.

O ônibus só parou numa estação a muitos quilômetros de distância da casa que um dia fora minha. Lá, todo mundo desceu. Eu fiquei onde estava, cochilando. A tarde já estava quase no fim quando abri os olhos com o motorista me cutucando. O sol baixava no horizonte alaranjado atrás das janelas embaçadas.

– Você precisa descer, garoto. – ele disse.

Olhei para fora do veículo e balancei a cabeça.

– Ainda não estamos no fim da estrada...

O motorista piscou confuso, enrugando a testa em desaprovação. Ele parecia levemente irritado. Quando abriu a boca para me contradizer, alguém o chamou na porta de frente. Era um moço pouco mais velho que eu e gritava seu nome. O motorista me ignorou contrariado e foi ter-se com ele.

Olhei para fora da janela fechada e percebi que estava ficando frio. Coloquei meu casado e chequei minha mochila: estava tudo onde eu havia deixado, do jeito que havia acomodado. Peguei uma barra de chocolate e mordisquei um pedaço.

O motorista do ônibus voltou alguns minutos mais tarde, coçando a cabeça.

– Vou ter que levar o ônibus à garagem. – ele suspirou, parecendo chateado e cansado ao mesmo tempo. – Quer que te deixe em algum lugar no caminho?

– Claro. Quando chegarmos no fim da estrada, me avise, por favor. – ele pareceu ainda mais cansado, mas simplesmente revirou os olhos e deu as costas. – Aceita chocolate?

Ele fez um gesto impaciente com a mão enquanto caminhava pelo corredor vazio e sentou-se em seu banco, ligando o motor novamente.

Vi o sol abaixar no horizonte através das árvores que iam ficando cada vez mais altas. As ruas da cidade pela qual passávamos estavam desertas. Havia areia por toda a parte, as construções eram velhas e descascadas. Não viam uma mão de tinta há séculos, então tudo parecia muito monocromático. O tédio sem cores quase me fez comer toda a barra de chocolate.

Deixamos a estradinha rodeada de areia pela direita e entramos por um portão de metal desgastado. O ônibus parou depois de mais ou menos uns trinta minutos e o motorista disse que ali era ao fim da linha. Pra mim e pra ele.

Agradeci e desci com a mochila nas costas. Fiz o caminho de volta, passei pelo portão e olhei a estradinha à frente. Fui até seu fim, que era mais ou menos uns cem passos dali. Não havia nada mais adiante, só grama velha, lixo, entulho e mato ao lado da garagem da empresa de transporte interestadual.

No fundo, onde o sol havia se posto há poucos minutos, o oceano brilhava.

Desci a encosta e nada me impediu de chegar à praia. Quando criança meu pai nunca me deixava nadar no mar por medo que eu me afogasse. Nunca fui bom nadador; frequentei a escolinha durante anos, mas saí ainda sendo um fracasso. Apesar disso, nunca tive medo. As pessoas ao meu redor se preocupavam mais com isso que eu mesmo.

Aliás, essa é a tendência das pessoas, não é? Se preocupar mais com o outro que consigo mesmo, eu acho...

De qualquer modo, coloquei a mochila aos meus pés e respirei fundo. O cheio de água salgada era agradável. Não havia ninguém por perto. Nenhuma casa, nenhum cais, nenhuma gaivota. Nadica de nada.

A Ilha | 🌅Onde as histórias ganham vida. Descobre agora