A Ilha

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Havia uma ilha no meio do oceano.

As palmeiras cercavam a praia de areia branca e fina. O céu era sempre azul, as tempestades nunca o incomodavam. As borboletas eram coloridas e agitadas, os insetos faziam zumbidos ritmados como numa orquestra e o mar despejava suas ondas com suavidade na costa, com medo de estragar a beleza do litoral esculpido com detalhes de tirar o fôlego.

Havia essa ilha no meio do oceano. Havia várias ilhas no meio de muitos oceanos.

A diferença dessa e de todas as outras existentes no universo era simples: ninguém sabia como chegar lá. Não havia um guia, ela não estava no mapa, ninguém jamais retornou para contar como ir e voltar. Ninguém soube de alguém que já tivesse tentado ir, tivesse falado ou escrito sobre ela, pintado um quadro ou feito um filme sobre sua floresta mágica. Ninguém criou poemas sobre suas palmeiras, nem canções sobre o som melodioso de seus insetos. Ninguém.

O engraçado é que eu sabia onde ela estava. Sempre soube.

Sempre, desde meu aniversário de dezessete anos.

Na madrugada do dia quinze de julho eu tive um sonho estranho. Não “estranho” do tipo que faz a gente franzir a testa em confusão, ou que te faz temer a realidade, nada do tipo. “Estranho” porque fazia mais sentido que tudo o que eu via de olhos abertos. Era como se toda a minha vida tivesse passado pela minha cabeça enquanto eu dormia e, mesmo assim, não era exatamente a minha vida. Ela havia sido recontada no meu sonho de um modo muito mais, digamos, verídico. Quando acordei, eu me lembrava e sabia de tudo, como se eu jamais tivesse lembrado ou conhecido nada antes daquela noite.

Eu soube da existência da Ilha. E ela soube da minha existência, tive certeza.

No café da manhã, não disse nada aos meus pais sobre o sonho-que-era-realidade. Eles haviam comprado dois muffins e colocado uma vela em cada um, uma com o número “um” e outra com o “sete”. A decoração estava fincada na cobertura de chocolate derretida e as velas foram acendidas pelo isqueiro velho que ficava na gaveta de facas da cozinha. Assoprei-as, esperei as palmas desanimadas cessarem e comi os muffins. Meu pai saiu para trabalhar – mesmo que fosse um sábado – e minha mãe foi lavar os pratos e pensar no almoço, como de costume. Eu subi de volta ao meu quarto e fiz o que tinha de ser feito: arrumei minha mala.

Eu não ganhava mesada nem nada do tipo. O dinheiro que eu tinha era fruto dos trocados dos lanches que comprava no colégio, junto das moedinhas que vagavam sem dono pela casa e dos esporádicos “presentes financeiros” que meus avós mandavam a cada aniversário. Havia um envelope na mesinha do telefone, ao lado da porta de entrada, endereçado a mim. Dentro dele, um número mais que suficiente de notas verdes e frescas para minha viagem.

Coloquei um par de calças, três bermudas, cinca camisetas e um casaco grosso dentro da mochila. Calcei o tênis à prova d'água que usava pra fazer caminhada nas trilhas do bosque perto de casa ou para pescar com meu pai. Ele estava remendado com um pedaço de fita isolante prateada, mas ainda cumpria a promessa de “não se inundar na chuva”, então estava de bom tamanho. Não sabia exatamente que tipo de clima iria enfrentar, então melhor prevenir que remediar.

A porta da frente estava destrancada. Minha mãe estava no quintal dos fundos quando saí, atravessei a rua e subi pela calçada cheia de feno até a esquina seguinte, onde passava o ônibus interestadual. Morar mais afastado da cidade – ainda mais de uma tão pequena e interiorana como aquela – tem lá suas vantagens. Uma delas é que ninguém está na janela para ver você sair, nem fofocar para seus parentes que você fugiu ou sei lá. Mesmo sendo aquele dia um sábado de manhã. Talvez por isso. Não sei.

Peguei o ônibus saindo da cidade treze minutos depois. Fiquei brincando de esconde-esconde com o sol atrás do poste e quase perdi o transporte, mas, por sorte, um vaqueiro ia ficar naquele ponto e o ônibus parou de qualquer jeito. O motorista não era da cidade, então ele não me reconheceu nem nada. Não pediu minha identidade, não fez perguntas, só cobrou a passagem e me perguntou onde eu ia descer.

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