Cap. II - mundo novo

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A cena ainda estava em preto e branco: era um feriado qualquer e o clima estava levemente londrino, aquela mistura de claridade e cinza entre as nuvens, nossa pequena versão da professora estava como sempre muito bem apresentável, neste cenário não havia Srta Andreas, somente a doce criança chamada Margareth; inteligente e inquieta, estava de vestidinho branco, e um penteado estranho, enquanto atravessava o passaredo para sentar no mesmo banco velho, da praça central, esperando o Sr. Davlio, um velho astuto e sábio, com quem sempre jogava xadrez enquanto os pais não a queriam por perto.

Sua mãe era uma senhora simplória, dividida entre os cuidados com a casa e com Andreas Sênior, o pai de Margareth. Volta e meia entre seus afazeres e muitas doses de gin, a mãe relapsa a olhava da sacada de casa para ver aonde estava a mini versão de si mesma, uma casa conseguida a um árduo preço, a liberdade. Margareth adorava Davlio, era a única hora em que sentia-se realmente querida.

Ainda de mãos dadas à Seth e Zoe, a frágil professora imaginava do que se tratava aquele passeio - viagem no tempo? pensou ela assustada. Contemplando cada aspecto daquele cenário tão amigável e familiar colorindo-se pouco a pouco, ela entendia mais prontamente que sua formação nerd a preparava para este dia, para essa situação, e ainda parecia apenas mais um sonho insano e inexplicável, do qual ela não gostaria de acordar.

A Srta. Andreas, professora de uma escola qualquer, era somente uma sombra do que ela já foi, em tempos mais ternos já havia sido listada como uma das mentes mais brilhantes potencialmente conhecidas. Lamentavelmente possuindo a personalidade de uma boneca, não soube ascender à liderança de nenhuma área, escondendo-se de seu passado e reduzindo-se a uma professorinha simples e monótona, até aquele momento.

- Isso mesmo Srta. Andreas, minha cara professora - disse Zoe, como se lesse seus pensamentos, enquanto apontava para a versão miniatura daquela mulher, caminhando para encontrar seu melhor, e talvez, único amigo.

- Olá Bonequinha, que tal começarmos logo com essa revanche hein!?... - disse o velho Davlio, puxando a cadeira para que a garotinha sentasse perto dele.

- Vais ensinar-me sua tática secreta hoje, Sr. Davlio? - ouviu-se a si mesmo, a professora, ouviu aquela voz que era estranhamente familiar por ser a sua própria, e uma lágrima escorreu de seu rosto.

Materializei-nos ao canto, segurando firme a mão da professora, se eu soltasse a mente dela entraria instantaneamente em seu corpo mais jovem, porém enquanto segurasse minha mão, sua mente do futuro e seu corpo se manteriam separados. Esse era mais um de meus 'truques' incríveis - imaterialização, garantia que enquanto alimentados pela minha energia, a mente atual e corpo do passado poderiam coexistir na mesma linha de tempo, mas manter um atemporal (ou carona) no passado, fora de seus respectivos corpos, custaria muita energia, uma energia a qual eu sentiria falta mais tarde, porém era necessário para que a professora e nossa futura amiga compreendesse o quanto era importante.

A pequena versão, com penteado estranho, e o velho jogaram por horas e por horas, a professora observava sua garra e sua astúcia ainda tão jovem, e a todo momento dava palpites das jogadas, sentindo a realidade do momento, sentamos os três num banco próximo enquanto eu tocava Margareth pela cintura para não perder a conexão, ela mantinha-se debruçada no encosto do banco com a mesma feição que sua versão em miniatura, pensando em vencer Sr Davlio uma vez que fosse.

Não demorou e sua mãe lembrou-se de que tinha uma filha, e naquela sacada, procurou-a e aos gritos a chamou para alimentar-se, então Margareth adulta lembrou do que aconteceria mais tarde naquela data e começou a chorar.

Num súbito ela lembrou-se, as memórias se espremiam como se precisassem aparecer, não somente existir mas fazer com que ela soubessem que estavam ali, então ferveram em sua mente como uma música incessante, ela lembrou-se do que acabou de fazer, como se já tivesse acontecido antes, lembrou-se da voz de sua mãe gritando na sacada, lembrou-se da moça bonita e triste que a ajudou na partida de xadrez, lembrou-se da vez em que quase venceu o Sr Davlio, lembrou-se de como estava cinza, e o cheiro dos bancos de madeira após alguns dias de chuva, e lembrou também que algo iria acontecer, a sensação desse "algo" a consumia quando criança, mas agora, a Margareth adulta já sabia o que era, foi quando ouviu a voz serena e paternal de seu amigo a chamando pelo nome:

As Crônicas do tempo - Parte IWhere stories live. Discover now