2.

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     Não bastava meu Evoque ter uma de suas peças arruinadas no curso sinuoso e desgastado da estrada, Hector era incompetente o suficiente para não poder concerta-lo sozinho. No mais superficial, estávamos presos no meio do nada até amanhecer.

      A cidade fantasmagórica era um ponto vazio e fumarento de luz, umectante e silenciosa. Dentro do carro, sem sinal do celular ou internet, eu podia sentir a dor aguda de cabeça latejar infinita aliada a impaciência e o maus humor muito pior que o normal.

       — Vamos logo com isso, Hector! — Esbravejei, insistindo no acesso virtual. — Que merda de lugar não tem acesso a internet?! Até no inferno deve ter internet!

      Pelas janelas, meus olhos buscaram uma pousada ou qualquer lugar minimamente decente, avistando uma espelunca com um letreiro em neon, anunciando "Snake's Hole Bar".

       Ah porra.

       Estava prestes a encarar o maior pardieiro que enfrentara na vida toda. Bruto, sai do banco de trás batendo a porta furiosamente.

       — Estou esperando lá dentro. — Anunciei desgostoso.

      A chuva era densa e ruidosa do lado de fora, quase como um mal presságio. Enfiei o celular no bolso, tomando a coragem de sair.

      Ah merda...

      Caminhei a passos largos pela calçada, antebraço no rosto, cabelos úmidos.

       Empurrei a porta com voracidade, lançando-me para dentro do pub o mais rapidamente possível. Logo, fui atingindo por uma voz melancólica e desafinada berrando xingamentos torpes e de baixo calão aliado a alguma letra de country ruim, sobre o palco.

         Quase desisti, tomado pelo cheiro de bebida barata, silvos e assobios obscenos, repetidas vozes elevadas, uma selvageria completa e eu achei que tinha voltado no tempo, partilhando a mesa com Vikings caipiras malditos do Texas.

       Caminhei deslocado até o balcão. Minha mente explodia em dor, enquanto eu experienciava um dos momentos mais constrangedores da vida inteira.

       — Vocês tem Wi-Fi? — Indaguei ao balconista, retirando o celular apressadamente do bolso.

        Não podia passar tanto tempo desconectado, ou os filhos da puta afundariam a Bravt como um cargueiro velho. Eu tinha acabado de autorizar a compra das ações de uma empresa em Tóquio para a construção da filial. Não podia estar distante da empresa.

— Não, cara. Mas se quiser, pode comprar uma ficha telefônica. — Anunciou um cara barbudo de meia idade, olhos cansados com bolsas enormes.

Meus olhos arregalaram-se incrédulos, enquanto o ar escapava-me pelos pulmões.

Aquele lugar havia parado em 1960, indefinidamente. Quase rosnei, pedindo as fichas e me direcionando a cabine telefônica em meio ao furor de angustia e desespero. A voz latejante no palco continuava a desferir palavras espúrias a notas agudas demais para qualquer humano.

A contragosto disquei o número pessoal de Grace, levando uma mão ao ouvido. O burburinho enlouquecedor ovacionava a altos assobios e sibilos o mau gosto de quem quer eu cantava.

       Atenda, Grace.

       Vamos lá...

        — Você sabe que horas são pra me ligar? — A voz ralhou grosseira do outro lado, bufando.

— A sua língua ainda vai custar seu emprego. — Balbuciei irritado demais para ignorar o fato. — A sua sorte é ser uma ótima assessora, Grace.

Mr. Bratv Onde as histórias ganham vida. Descobre agora