15. O Dia Internacional das Minhas Calças

Start from the beginning
                                    

Ela não diz nada, apenas continua a retirar os acessórios. Não sei se disse algo errado, disse? Eu sempre digo. Sempre estrago tudo, mesmo.

- Sua irmã parece estar ferrada. – diz, depois de um tempo, voltando a me encarar.

- Ela sempre está ferrada. Vai superar.

- Boa sorte pra ela. – sorri, pegando uma mochila de renda e colocando num dos ombros. – Quer dar uma volta? Você gosta de churros? Vi que tem uma barraquinha logo ali.

- Eu amo churros. Mas amo, tipo, de verdade. Não é como meu amor por paçoca, ou tapioca. É mais como amor de mãe.

Zelda começa a rir.

- Eu estou falando sério, Zelda. Eu amo churros.

- Tudo bem então, senhor Amo Churros. Vamos lá! – ela diz, sorrindo.

Começamos a caminhar, um silêncio confortador se instala. Minhas mãos no bolso me dão desequilíbrio e quase caio, mas ela não percebe ou pelo menos não comenta a gafe. Depois de um tempo, ela diz:

- Sabe, é a primeira vez que você diz meu nome. Sem contar a outra primeira vez, quando citou horrorosamente o jogo. Acho que podemos bani-la de nossas lembranças e batizar essa como, oficialmente, a primeira vez que disse meu nome.

- Eu citei o jogo, né? – ela concordou, rindo. – Meu Deus.

- Todo mundo tem defeito. – faço uma careta e ela começa a rir. – Eu até joguei uma vez... – ela sussurra e logo faz cara de brava. – Mas ninguém pode saber!

Meu sorriso vai de orelha a orelha, o dela começa a aparecer segundos depois e é tão bonito que quase me derreto todo e desequilibro mais uma vez.

Fico praticamente o festival inteiro conversando com Zelda e isso não foi nenhum problema. De certa forma, ela me deixa a vontade e isso é bom demais, para ser sincero. Falamos por horas, caminhamos por todos os cantos, comemos churros e, mais tarde, ela tomou um açaí, enquanto tomei sorvete.

Descobri que ela é vegetariana – contei que minha mãe ficaria doida se eu a convidasse para jantar e ela riu, dizendo todas as vezes em que passou perrengue para conseguir comer -, mas, apesar disso, não desistiu de seus princípios. E o motivo é um dos mais loucos que já vi: ela não come carne, porque crê serem reencarnações de humanos. Ela disse que acredita em reencarnação e que todos nós temos oportunidades de consertar erros passados, mas que seria muito triste se voltássemos como humanos porque, "vai que alguém se apaixona por uma reencarnação e essa pessoa morre quando faz o que devia ter feito? A outra vai sofrer tanto!", ela disse. Realmente. Então, ela explicou que acredita que voltamos - quando voltamos - como animais.

E, claro, porque ela ama muito os animais.

Zelda é bem doida.

Ela descobriu que sou uma pessoa bem inútil que assiste série o dia inteiro. Contei que Vikings é a minha preferida, ela disse que tentou começar a ver, mas tinha tanto sangue que desistiu. Perguntei se ela já tinha visto um episódio de Game of Thrones, a resposta foi: "Deus me livre! Tanta morte!"

Ela não tem uma preferida, disse que só vê quando não está muito afim de assistir um filme.

- Sempre vejo um do Woody Allen por mês. É uma coisa minha.

- Ele me irrita.

- O quê? – ela perguntou, exasperada. Então começou a dizer o quanto eram bons os filmes dele e que os diálogos eram "Incrivelmente bem feitos". Contei que preferia o Tarantino, então ela pensou por um instante. – Ele é bom, mas... Você sabe... Sangue demais.

- Por isso que é bom!

- Ai, meu Deus, Cícero!

Só faltou ela me bater, mas começou a rir logo depois.

Estamos sentados na grama e não faço ideia de onde minha família, ou Gregório, ou Tessa estão. Na verdade, não estou me importando muito com isso. O céu está repleto de nuvens, mas dá para ver a Lua daqui e isso é bonito demais para que eu pense em qualquer outra coisa.

Quando olho pra Zelda, percebo o quão linda ela fica sob a luz do luar e me dá vontade de tocar em seu rosto, ou falar isso para ela. Sei que não devo, mas é como um ímã que me puxa. Resolvo ficar em silêncio e apenas olhar para o céu, como ela está fazendo. Só para não fazer uma besteira, como de costume.

Depois de alguns minutos, ela se vira para mim, com os lábios esticados num sorriso.

- Sabe, amanhã tem um evento bem legal e vai ser aqui mesmo. Eu ia sozinha, mas não seria muito divertido.

- Ahn. – isso é uma resposta, Cícero?

- Você quer vir comigo? – ela pergunta. Seus olhos castanhos brilham, mesmo na pouca luz e quase me acendem por dentro. É claro que eu quero, meu Deus. – É aquele Entre Olhares, é bem... Profundo. – ela ri, ao falar.

- Sim, sim, eu quero.

Zelda sorri e fica me observando quando sorrio de volta. Ficamos assim até meu celular apitar, acusando uma mensagem de Eduarda, toda desesperada. Quando vejo o horário, já são quase onze da noite. Arregalo tanto os olhos, que a garota ri.

Gêmea Má:

EU TO VENDO VOCÊS DAQUI

Eu:

Não enche, Duarda

- Desculpa. – digo. Zelda balança a cabeça, ainda sorrindo.

Gêmea Má:

Vem logo, a mãe ta doida que nem a vovó

CÍCERO, VEM

ELA VAI PEGAR O MEGAFONE

- Meu Deus. – olho para Zelda e fico triste em ter que ir embora. Está tudo tão bom que... Que simplesmente não quero ir. Uma pena não ser dono do meu próprio nariz. Guardo o celular e faço uma careta. – Preciso ir.

- Tudo bem. – ela sorri.

- Até amanhã.

- Até. – diz.

Me levanto e começo a andar, quando a ouço me chamando.

- Cícero! Espera!

- O... – então seus braços finos e fortes me envolvem. Fico paralisado, tentando entender o que está acontecendo.

Zelda está me abraçando.

Demoro alguns segundos até meus braços responderem ao comando do meu cérebro, então nos encaixamos. O abraço não é só confortável, é... É como um lugar certo de estar.

Logo depois de nos afastar, vou embora, encontrar minha família. Quando chego até em casa, ainda pensando – sorridente - nas últimas horas do meu dia, vejo uma mensagem que me faz sorrir o triplo:

Zelda:

Obrigada por hoje, Cícero

Cícero Quer Ir à Praia [completo]Where stories live. Discover now