15. O Dia Internacional das Minhas Calças

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Testou uma, duas, três vezes e sorriu. Falou um monte de baboseiras: quanto tempo há desse festival, quem começou a fazê-lo, como podemos contribuir para o próximo, e todas essas coisas. Mas o que ele disse, no final, me instigou:

- Segurem-se, coxinhas, e bem-vindos ao 15º Festival de Inverno. – sorriu e se virou, levando consigo o microfone.

As cortinas se fecharam, e as famílias, confusas, bateram palmas quando, dois minutos depois, as cortinas voltaram a se abrir.

E aí, meus amigos, eu entendi o que Eduarda quis dizer com Mamãe Vai Ter um Treco.

Não só ela, como todas as outras famílias. Algumas, poucas, permaneceram estáticas, enquanto a minha, por exemplo, enlouqueceu. Deixe-me explicar:

Em cima do palco, há dez garotas. Tudo bem até aí, eu sei, super normal. Só que não é só isso.

Todas elas estão vestidas como travestis, com a maquiagem e perucas idênticas e tudo o mais. Preparo a câmera e a primeira foto que tiro é das garotas, a segunda é da reação das mães e dos pais. Principalmente dos meus.

De repente, reconheço a música e as roupas, e todas começam a dançar como no musical. Elas estão interpretando The Rocky Horror Picture Show, ou seja, o horror para a família tradicional brasileira, principalmente, da minha pequena cidade conservadora. O planeta transexual do musical se instalou no palco e o rosto das garotas foi a melhor coisa do mundo, indo de deboche ao nervosismo inicial.

Reconheço Zelda, entre as garotas, vestida de Magenta. Eduarda faz o próprio Frank. Olho bem para minha irmã e reconheço sua roupa, apesar de idêntica a do filme, percebo o que ela foi um dia: minha calça.

Minha. Calça.

Eu vou matar a Eduarda!

Minha calça, rasgada e colada, vestida em Eduarda para todo mundo ver. A calça que eu uso – ou melhor, usava – para ir para o colégio. Ela é uma filha da mãe maldita, nem avisou que pegou. Ao invés de usar a própria calça, onde já se viu?

- Ela está com a minha calça! – digo, indignado, para minha mãe. Mas ela está em choque ainda pelo que está presenciando, para me dar qualquer atenção digna.

- Essa garota perdeu a cabeça! – Mãe começa a dizer. – Ela perdeu a cabeça!

Enquanto ela diz isso, com a irritação estampada no olhar, meu pai sorri, como se estivesse orgulhoso, e até cantarola Time Warp – uma das primeiras músicas do filme -, para a minha surpresa. Aparentemente, de mamãe também, porque ela dá um tapa nele e reclama de alguma coisa. Pai, por outro lado, ri ainda mais e tenta controlar sua esposa, dando beijinhos e algumas tentativas de carinho nos braços agitados dela.

Volto minha atenção para a apresentação e encontro os olhos de Zelda. Ela sorri, mas não tenho certeza de que foi para mim, não sei nem se ela está me enxergando de lá. Mas eles são tão lindos, que não desvio.

É de um castanho tão puro. Tão... Verdadeiro.

Acompanho-os até a hora do fim da apresentação e vou com Mãe encontrar com elas. Enquanto minha progenitora está aos berros (baixos) com Eduarda – que ignora -, vejo minha nova amiga no canto, falando com outra garota. Ela já está retirando a maquiagem e voltando a ser Zelda, quando chego até ela.

- E aí, Cícero? – ela diz, retirando algo parecido com cílios enormes do olho. Vira-se para mim, sorrindo. – Gostou?

Não sei bem se ela está falando dos cílios em sua mão ou da apresentação em si, mas sorrio de volta. – Vocês são bem loucas. Seus pais devem estar loucos contigo.

Cícero Quer Ir à Praia [completo]Wo Geschichten leben. Entdecke jetzt