Capítulo 3 - O Telefonema

Start from the beginning
                                    

Um pouco após terminar a conversa com seu chefe, viu-se com o braço estendido sobre uma mesa. A enfermeira, mulher bonita com idade entre 30 e 40 anos, passava um chumaço de algodão embebido em álcool em seu braço para fazer a coleta de sangue. Não teve muito tempo para pensar no que poderia fazer com o dinheiro extra que receberia em resultado do negócio extraordinário que conseguiu realizar, sendo logo interrompido por nova chamada no celular. No momento em que atendeu a ligação estava a pensar assim: "Bom receber este dinheiro adicional. Acho que mandarei uma parte dele para Marcele. Talvez ela precise e, sem dúvida, um pouco de dinheiro à mais sempre é de ajuda. Quem sabe se ela não esteja querendo ir mais ao teatro, talvez rejeite, sem graça, convites dos amigos por estar com pouco dinheiro para a semana e não me ligue pedindo mais alguma grana por pensar que já estou fazendo demais por ela. Estar na terra de Shakespeare e não assistir a espetáculos é um pecado imperdoável. Ou pode ser que este dinheiro sirva para ela comer melhor, ou acompanhar amigos na 'happy hour'... – O toque específico que o tirou do devaneio era de um amigo do trabalho.

- Fulano?

- Oi, André. Tudo bem?

- Tudo bem, obrigado. Seguinte, todos estávamos te esperando. Teve toda a preparação de uma festinha para você, e você não veio...

- É, o Mauro me disse á pouco. É verdade a parte que ele falou sobre duas moças dentro do bolo para me fazer uma surpresa? - Perguntou por perguntar.

- Não, não. Essa parte era brincadeira. Mas, a parte da festinha era verdade. Eu ia te ligar de manhã cedo, mas pensei que você devia querer descansar um pouco e resolvi não atrapalhar. Quando ele disse que você estava no hospital me senti até um pouco culpado por não ter ligado, perguntei detalhes, mas não soube explicar muita coisa sobre o que aconteceu com você. Ficamos preocupados.

- Cara, nem eu sei explicar direito o que ocorreu... – Nesse momento houve uma pausa. Como poderia dizer simplesmente para o amigo 'perdi uma perna'? E, como podia responder com evasivas, de modo a não responder nada na realidade? Sabia que respostas desse tipo não seriam o bastante para André. Se fosse qualquer outro colega, tudo bem, mas André era um amigo. No início, assim que começara a trabalhar na firma, eram quase inimigos. Antes de sua chegada, André era o mais importante de todos os representantes comerciais do grande grupo comercial tal. Mas, após a sua chegada, a hegemonia de André foi posta em xeque. Competiam para ver quem era o melhor e o novato começou a ganhar cada vez mais destaque. Mas, com o tempo, André veio a reconhecer que o rapaz era um grande talento, a competição se tornou respeito mútuo e o respeito, amizade. Hoje, é com André que ele conta como companhia para tomar um chope nas tardes insuportáveis de calor do verão. E fora nos ombros de André que chorou, dois meses antes, rios de lágrimas pelo fim do relacionamento promissor que já durava um ano com a bela Alicia. Presumiu, então, que seu amigo quereria saber mais. – ... Estou fazendo um monte de exames. Vou para casa daqui a pouco, se quiser fazer uma boa ação hoje, que tal visitar um enfermo?

- Tá legal, vou na tua casa quando sair daqui. Mas posso acreditar que não é nada muito grave, que você está bem, que não passou de uma indisposição?

- Mais ou menos. Quando você vier eu te conto o que aconteceu. De qualquer forma, eu não vou sumir agora! - "Eu acho." – Pensou após responder que não iria sumir.

"Como posso ter certeza de algo? A vida parece ser um mar de sofrimento e solidão salpicado por pequenas ilhas de alegrias efêmeras. E essas ilhas, além de serem difíceis de encontrar, são nômades. Quase nunca as encontramos no mesmo ponto que as deixamos no momento da última viagem. Muita gente diz possuir os mapas para a felicidade, mas, desconfio que a maioria desses mapas são furados. Sem contar que como posso ter certeza de que não vou sumir? Da mesma forma que estava dormindo e acordei sem uma perna, e um médico está se achando cientificamente com a razão de dizer que esta perna nunca existiu, como posso ter certeza de que, ao ir dormir à noite, não irei sumir completamente e um outro médico convencerá, cientificamente, meus pais e minha irmã que eu nunca existi fora da mente 'doentia' deles?

O Homem Que Não ExistiaWhere stories live. Discover now