Capítulo 3 - O Telefonema

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Enquanto seguia a enfermeira de um laboratório a outro, levou um susto ao sentir a perna remanescente tremer como se um músculo tivesse vontade de abandonar o restante da musculatura. "Por favor Deus, não deixe que a outra perna se vá assim. Nem sabemos o que é e se podemos parar isso. Não deixe que eu perca outra perna! O que vou fazer para me adaptar a isso, se nem tive tempo de acostumar-me com essa nova situação? Gostaria de aprender a usar uma muleta. Por favor Deus!" - Pensou o homem de vinte e poucos anos esquecendo-se, num primeiro momento, que havia colocado no bolso da calça o celular. Ao levar a mão à perna, desesperado, teve um grande alívio em tatear o aparelho que estava em seu bolso.

"Finalmente lembraram de mim na empresa. Devem sentir minha falta, devem estar dizendo que tudo está um caos sem mim, que nada funciona sem a minha presença..." – Faz uma pausa no entusiasmo que o invadiu ao ver que estava sendo lembrado por alguém, e pondera, levando em conta a realidade do ethos empresarial de seus pares. – "A quem estou enganando? Nunca sentirão a minha falta, apenas a falta do meu trabalho." – Concluiu ele ao pegar o celular e levá-lo num gesto que repetia milhares de vezes durante um dia normal de trabalho, tornando-se por isso mecânico, banal, fastidioso.

- Oi Fulano, o que houve que estamos te esperando desde cedo e você não apareceu, nem ligou avisando que não viria. Temos uma festa de congratulações pelo negócio excepcional que você acabou de realizar para nossa empresa. As garotas que estavam escondidas dentro do bolo ficaram cansadas de tanto esperar a sua chegada que tiveram que sair do bolo ou morreriam sufocadas.

Ele sabia o quanto seu chefe fingia entusiasmo sempre que alguém conseguia realizar um bom negócio, mas sabia, também, que quando eram fechados grandes negócios que trazem benefícios reais à empresa seu entusiasmo era verdadeiro. Percebeu pelo tom da sua voz, que era verdade. Mauro, o seu superior, realmente estava muito animado. Não era para ser de outra forma. Com apenas uma venda ele bateu a sua meta anual em duas vezes e ultrapassou a soma das vendas de todos os outros representantes no último trimestre. Entretanto, sabia que garotas dentro do bolo era um exagero, uma piada, um dito jocoso bem característico do humor de seu chefe.

- Mauro! Olha, eu tive um probleminha e provavelmente não vou poder aparecer aí hoje. Estou no hospital.

- Quem é que está passando mal, você? Não sei não, mas isso parece uma desculpa para não vir trabalhar... – Era brincadeira, e o homem de vinte e poucos anos sabia disso muito bem. Sabia que se quisesse poderia pedir cinco dias de licença e o chefe daria quinze, mas, mesmo assim, sentiu necessidade de dar mais explicações ao chefe.

- Eu cheguei em casa ontem à noite me sentindo muito bem, mas hoje, quando acordei tudo havia mudado. Aconteceram coisas que deixaram meus pais desesperados e, mesmo contra minha vontade, trouxeram-me às pressas para o hospital. – Ia começar a falar sobre o estranho evento ocorrido pela manhã, mas, temeu que Mauro não acreditasse, preferindo crer que o que falaria não era mais que uma desculpa, mesmo que criativa, para se faltar ao trabalho.

- Tá, tá, eu entendi... – Disse Mauro num tom de quem deseja pôr fim a um assunto para iniciar outro. – Eu vou até aí. Em que hospital você está?

- Estou no hospital tal, no Humaitá. Vou ficar o dia inteiro fazendo exames, pode vir.

- Vou te levar uma cesta de presentes. É só uma pequena lembrança, uma congratulação pela venda espetacular que você realizou, e também uma pequena amostra do reconhecimento da empresa por seu esforço, por seu bom trabalho e dedicação. Seguinte, só adiantando, você vai receber uma comissão de 0,5% sobre o valor total da venda. Pode ir somando e você vai ver que é um dinheiro respeitável. Todos os outros continuarão recebendo 0,2% de comissão, pois você sozinho vendeu quase 30% a mais do que todos os outros juntos no último ano. Fulano, você já me deu e está dando muito dinheiro. Nada mais justo que nós lhe recompensemos a altura.

O Homem Que Não ExistiaWhere stories live. Discover now