Capítulo 30

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Iracema cuidou que o seio rompia-se; e buscou a margem do rio, onde crescia o coqueiro.
Estreitou-se com a haste da palmeira. A dor lacerou suas entranhas; porém logo o choro infantil inundou todo o seu ser
de júbilo.
A jovem mãe, orgulhosa de tanta ventura, tomou o tenro filho nos braços e com ele arrojou-se às águas límpidas do rio.
Depois suspendeu-o à teta mimosa; seus olhos então o envolviam de tristeza e amor.
— Tu és Moacir, o nascido de meu sofrimento.
A ará, pousada no olho do coqueiro, repetiu Moacir; e desde então a ave amiga em seu canto unia ao nome da mãe, o
nome do filho.
O inocente dormia; Iracema suspirava:
— A jati fabrica o mel no tronco cheiroso do sassafrás; toda a lua das flores voa de ramo em ramo, colhendo o suco para
encher os favos; mas ela não prova sua doçura, porque a irara devora em uma noite toda a colmeia. Tua mãe também, filho
de minha angústia, não beberá em teus lábios o mel do sorriso.
A jovem mãe passou aos ombros a larga faixa de macio algodão, que fabricara para trazer o filho sempre unido ao
flanco; e seguiu pela areia o rastro do esposo, que há três sóis partira. Ela caminhava docemente para não despertar a
criancinha, adormecida como o passarinho sob a asa materna.
Quando chegou junto ao grande morro das areias, viu que o rastro de Martim e Poti seguia ao longo da praia; e
adivinhou que eles eram partidos para a guerra. Seu coração suspirou; mas seus olhos secos buscaram o semblante do filho.
Volve o rosto para o Mocoribe:
— Tu és o morro da alegria; mas para Iracema tu não tens senão tristeza.
Tornando, a recente mãe pousou a criança sempre dormida na rede de seu pai, viúva e solitária em meio da cabana; ela
deitou-se ao chão, na esteira onde repousava, desde que os braços do esposo se não tinham mais aberto para recebê-la.
A luz da manhã estrava pela cabana, e Iracema viu entrar com ela a sombra de um guerreiro.
Caubi estava em pé na porta.
A esposa de Martim ergueu-se de um ímpeto e saltou avante para proteger o filho. Seu irmão levantou da rede a ela uns
olhos tristes, e falou com a voz ainda mais triste:
— Não foi a vingança que arrancou o guerreiro Caubi aos campos dos tabajaras; ele já perdoou. Foi a vontade de ver Iracema, que trouxe consigo toda sua alegria.
— Então bem-vindo seja o guerreiro Caubi na cabana de seu irmão, respondeu a esposa abraçando-o.
— O nascido de teu seio dorme nesta rede; os olhos de Caubi gostariam de vê-lo.
Iracema abriu a franja de penas; e mostrou o lindo semblante da criança. Caubi depois que o contemplou por muito
tempo, entre risos, disse:
— Ele chupou tua alma.
E beijou nos olhos da jovem mãe, a imagem da criança, que não se animava tocar com receio de ofender:
A voz trêmula da filha ressoou:
— Ainda vive Araquém sobre a terra?
— Pena ainda; depois que tu o deixaste sua cabeça vergou para o peito e não se ergueu mais.
— Dize-lhe que Iracema é morta já, para que ele se console.
A irmã de Caubi preparou a refeição para o guerreiro, e armou no copiar a rede da hospitalidade para que ele repousasse
das fadigas da jornada. Quando o viajante satisfez o apetite, ergueu-se com estas palavras:
— Diz onde está teu esposo e meu irmão, para que o guerreiro Caubi lhe dê o abraço da amizade.
Os lábios suspirosos da mísera esposa se moveram como as pétalas do cacto que um sopro amarrota, e ficaram mudos.
Mas as lágrimas debulharam dos olhos, e caíram em bagas.
O rosto de Caubi anuviou-se:
— Teu irmão pensava que a tristeza ficara nos campos que abandonaste: porque contigo trouxeste todo o riso dos que
te amavam!
Iracema secou os olhos:
— O esposo de Iracema partiu com o guerreiro Poti para as praias do Acaraú. Antes que três sóis tenham alumiado a
terra ele voltará, e com ele a alegria à alma da esposa.
— O guerreiro Caubi o espera para saber o que ele fez do sorriso que morava em teus lábios.
A voz do tabajara enrouquecera; seu passo inquieto volveu a esmo pela cabana.

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