Capítulo 28

134 5 0
                                    

Uma vez o cristão ouviu dentro em sua alma o soluço de Iracema: seus olhos buscaram em torno e não a viram.
A filha de Araquém estava além, entre as verdes moitas de ubaia, sentada na relva. O pranto desfiava de seu belo
semblante; e as gotas que rolavam a uma e uma caíam sobre o regaço, onde já palpitava e crescia o filho do amor. Assim
caem as folhas da árvore viçosa antes que amadureça o fruto.
— O que espreme as lágrimas do coração de Iracema?
— Chora o cajueiro quando fica tronco seco e triste. Iracema perdeu sua felicidade, depois que te separaste dela.
— Não estou eu junto a ti?
— Teu corpo está aqui; mas tua alma voa à terra de teus pais, e busca a virgem branca, que te espera.
Martim doeu-se. Os grandes olhos negros que a indiana pousara nele o tinham ferido no âmago.
— O guerreiro branco é teu esposo: ele te pertence.
A formosa tabajara sorriu em sua tristeza:
— Quanto tempo há que retiraste de Iracema teu espírito? Antes teu passo te guiava para as frescas serras e os alegres
tabuleiros; teu pé gostava de pisar a terra da felicidade e seguir o rastro da esposa. Agora só buscas as praias ardentes,
porque o mar que lá murmura vem dos campos em que nasceste; e o morro das areias, porque do alto se avista a igara que
passa.
— É a ânsia de combater o tupinambá que volve o passo do guerreiro para as bordas do mar, respondeu o cristão.
Iracema continuou:
— Teu lábio secou para a esposa, como a cana quando ardem os grandes sóis; perde o grato mel e as folhas murchas não
podem mais brincar quando passa a brisa. Agora só falas ao vento da praia para que ele leve tua voz à cabana de teus pais.
— A voz do guerreiro branco chama seus irmãos para defender a cabana de Iracema e a terra de seu filho, quando o
inimigo vier.
A esposa meneou a cabeça:
— Quando tu passas no tabuleiro, teus olhos fogem do fruto do jenipapo e buscam a flor do espinheiro; a fruta é
saborosa, mas tem a cor dos tabajaras; a flor tem a alvura das faces da virgem branca. Se cantam as aves, teu ouvido não
gosta já de escutar o canto mavioso da graúna; mas tua alma se abre para o grito do japim, porque ele tem as penas douradas
como os cabelos daquela que tu amas!
— A tristeza escurece a vista de Iracema e amarga seu lábio. Mas a alegria há de voltar à alma da esposa, como volta à árvore a verde rama.
— Quando teu filho deixar o seio de Iracema, ela morrerá, como o abati depois que deu seu fruto. Então o guerreiro
branco não terá mais quem o prenda na terra estrangeira.
— Tua voz queima, filha de Araquém, como o sopro que vem dos sertões do Icó, no tempo dos grandes calores. Queres
tu abandonar teu esposo?
— Vêem teus olhos lá o formoso jacarandá, que vai subindo às nuvens; a seus pés ainda está a seca raiz da murta
frondosa, que todos os invernos se cobria de rama e bagos vermelhos, para abraçar o tronco irmão. Se ela não morresse, o
jacarandá não teria sol para crescer àquela altura. Iracema é a folha escura que faz sombra em tua alma; deve cair, para que
a alegria alumie teu seio.
O cristão cingiu o talhe da formosa indiana e a estreitou ao peito. Seu lábio levou ao lábio da esposa um beijo, mas
áspero e amargo.

Iracema Onde as histórias ganham vida. Descobre agora