SHORT 1

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SHORT 1
PDV LYRA - AULAS DE PRIMEIRO ANO

Só havia uma palavra para definir o meu estado.
Nervosa.
Muito nervosa mesmo.
Agarrei-me à minha mochila e à minha lancheira do almoço como se a vida dependesse disso, e encostei-me ainda mais à minha mãe.
O portão da escola estava cheio de crianças a entrar, a sair, a rir, a empurrar, a cumprimentar os amigos. Havia uma faixa branca esvoaçante onde se lia "BEM VINDOS AO ANO ESCOLAR 2006/2007!"
Mas eu não queria estar ali.
Queria voltar para o infantário, com a educadora simpática de olhos azuis chamada Marta, os meninos da minha altura de bibe e o recreio cheio de escorregas e baloiços de plástico. E não ali, no meio de todos aqueles miúdos enormes. Sentia-me a mais baixa de toda a escola, e provavelmente era. Só a ideia de deixar a minha mãe e entrar naquele edifício de babuínos dava-me arrepios.
Claro que, com o Alex, era totalmente diferente.
- ENA MEU - exclamou ele. - Mãe!! Olha esta escola!! É enorme!! Brutal!
- Ainda bem que gostas - sorriu a mãe, virando-se para mim. - Então, Lyra? Anda, vou-te levar à sala de aula.
Engoli em seco e abanei a cabeça.
- Não quero - murmurei.
- Oh, claro que queres! Na tua sala vais conhecer muitas crianças da tua idade. E vais estar com o Alex. E o Alfie. Olha-o ali! - E depois chamou a mãe do Alfie, que sempre foi a sua melhor amiga desde a universidade: - Hey! Susie!
A Susie aproximou-se de nós, sorrindo, de mãos dadas com o filho. Eu e o Alex conhecemos o Alfie desde sempre. As minhas primeiras memórias são com ele. Ao vê-lo, sorri e relaxei um pouco. O Alfie não é doido como o meu irmão, e sentia-me um pouco mais segura com a sua presença.
- Magda! Alex, Lyra, olá! Entusiasmados pelo primeiro dia de aulas no primeiro ano? - Sorriu a Susie, despenteando os cabelos doirados do Alex, que já são despenteados por si.
- SIIIM! - Gritou o Alex, com os olhos brilhantes.
Eu limitei-me a sorrir, nada confiante.
O Alfie também me parecia um pouco hesitante, mas acenou que sim com a cabeça.
- Venham, vamos levar-vos à sala - disse a minha mãe, dando-me uma mão a mim e outra ao Alex.
Atravessámos o pátio. A escola ia dos 6 aos 18, e via-se de tudo, desde criancinhas como eu a adolescentes de barba. A maioria conversava entre eles, ria, passava por mim. Eu até tinha medo de ser pisada. Quer dizer, não que fosse acontecer.
Por via das dúvidas, agarrei-me ainda mais à minha mãe. Pelo menos ela era bem alta e não ia ser calcada por um adolescente desembestado de certeza.
A nossa sala era no primeiro andar. Espreitei. Na sala estavam sentados em pequenas secretárias mais ao menos vinte e poucos miúdos. Alguns estavam quietos e de olhos baixos, outros gritavam e esperneavam, outros pareciam um pouco atarantados com a cadeira e a mesa. Eu sentia que fazia parte da primeira categoria.
Uma senhora alta, muitíssimo loira e de óculos aproximou-se de nós. A minha mãe sorriu e disse:
- Desculpe, é a Sra Williams? Esta é a sala do primeiro ano?
- É sim - a professora olhou para mim, para o Alex e para o Alfie e depois sorriu. No entanto, parecia um sorriso falso, pensei. Como se fosse de plástico. Sentia que não ia gostar muito dela. - Chamem-me Betty, por favor. - A Betty pegou numa lista e numa caneta, e perguntou: - Quais são os vossos nomes?
- Alfie Parks, Alex e Lyra Jones.
- São gémeos? - Inquiriu a Betty, riscando os nossos nomes.
A minha mãe acenou que sim. Eu entendia a pergunta. Eu e o Alex não podíamos ser mais diferentes. Quando eu dizia que tinha um irmão gémeo a maioria das pessoas pensava que era o Alfie, visto que ambos somos quase idênticos, principalmente na cor dos olhos.
- Muito bem, estão entregues - disse a Betty, de novo com aquele seu sorriso falso. - Podem ir que eu trato deles. A escola acaba às 15:00.
- Adeus, meninos - disse a Susie, abraçando-nos um a um. - Divirtam-se, vão gostar do primeiro ano.
- Nem acredito que eles já estão tão crescidos - sorriu a minha mãe.
Mas eu não me sentia crescida. Sentia-me pequena, microscópica. Olhei para a cara de alguns dos miúdos e estavam todos a olhar para mim.
O Alex e o Alfie sentaram-se um ao lado do outro, em duas carteiras lado a lado.
- Hey... - Murmurei, chateada por me terem deixado de lado.
- Desculpa, Lyra. Só há lugar para dois. - Disse o Alex, abanando as mãos.
Bufei, irritada, e olhei-me em volta. O único sítio vazio era ao lado de uma rapariga muito morena, com cabelos encaracolados volumosos. Timidamente, pousei a mochila e a lancheira e sentei-me ao seu lado, calada.
Não planeava puxar conversa, mas ela encarregou-se disso.
- Hey! Olá! - Exclamou ela, sorrindo abertamente, mostrando algumas falhas na dentadura, certamente dentes de leite acabados de cair. Senti alguma inveja, visto que ainda não me caíra nenhum, e eu queria mesmo que a mãe me desse um euro por cada dente (sim, eu não acreditava na Fada dos Dentes. Nem Pai Natal. Nem Coelho da Páscoa. Ao contrário do Alex.)
Olhei para ela. Era extremamente bronzeada, com uns caracóis enormes pretos como o carvão, e uns olhos estranhamente claros, como o mel, que contrastavam com tanta escuridão.
- Sou a Gabbrielle - continuou ela. - Mas nunca me chames isso, porque não gosto e é muito complicado. Prefiro Gabby. Tu quem és?
- Lyra - respondi eu, educadamente. Ao contrário da Betty, o sorriso da Gabby era verdadeiro. E os seus olhos brilhavam. Pareciam duas estrelas. Lentamente, também sorri.
- Lyra? Sabes escrever o teu nome? - E acrescentou, muito orgulhosamente: - Eu sei. E não só Gabby. Sei escrever G-A-B-B-R-I-E-L-L-E. Ensinou-me o meu pai!
Acenei educadamente, apesar de não perceber qual o grande orgulho nisso. Eu aprendera a escrever aos dois e poucos anos, e entrei para o infantário a escrever fluentemente. No entanto, não disse nada.
A Betty consultou a lista e acabou por concluir que não faltava ninguém. Foi para a frente da sala e todos os miúdos histéricos de seis anos calaram-se.
- Então, meninos - sorriu ela, uns segundos depois - bem-vindos ao primeiro ano! Sou a Betty, a vossa professora. Repitam comigo: Betty.
- Betty - disseram todos em coro, menos eu, que achava aquilo um pouco ridículo.
- Muito bem! Agora quero que me digam os vossos nomes, um a um, para eu ir decorando.
Éramos 28, no total. Cada um disse o seu nome, e quando chegou a vez da Gabby, ela disse, sem papas na língua:
- Gabbrielle, mas não gosto, e quero que me chamem Gabby!
A Betty olhou para ela uns segundos, e depois disse:
- Isto não é o intervalo com os teus amigos, Gabbrielle. Estamos na sala de aula e vou-te chamar pelo teu verdadeiro nome.
A Gabby pareceu desapontada. Os seus olhos já não brilhavam.
- Oh... - Murmurou ela.
Senti-me subitamente irritada. Qual era o problema de dizer Gabby ou Gabbrielle? Vi o sorriso escarninho da Betty e senti de repente o urge de dizer algo.
Levantei a mão.
- Sim... Lyra? - Disse a Betty.
- Desculpe, mas não está a ser um pouco injusta?
Acho que a Betty não esperava que uma rapariga baixinha, de 6 anos, no primeiro dia de aulas, lhe fizesse frente.
- Desculpa? - Disse ela.
- Você própria está a usar uma alcunha. O nome escrito no seu estojo é Elisabeth. - Afirmei. - Se quer que a chamemos Betty, porque é que a Gabby não pode fazer o mesmo?
- Menina Jones, uso a alcunha Betty porque alguns alunos podem ter dificuldade em pronunciar Elisabeth. E você não tem a audácia de me falar assim, ouviu? - Ripostou a Betty, com os olhos chispantes por trás dos óculos.
Estava toda a turma a olhar para mim, incluindo o Alex e o Alfie. Não respondi, limitando-me a olhar para ela.
Após uns instantes, a Betty disse:
- Como é o primeiro dia, não vou fazer nada, mas não tolero mais faltas de respeito, especialmente vindas de uma menina acabada de sair da pré-primária. Adiante, agora, quero ver do que vocês são capazes. Quem sabe escrever o seu nome?
Algumas mãos hesitantes levantaram-se, incluindo a minha e a da Gabby, orgulhosamente esticada no ar. O Alex e o Alfie ficaram quietos.
- E contas? Quem sabe somar?
Desta vez, apenas três pessoas levantaram a mão. Eu, um rapaz sardento e uma rapariga com o cabelo perfeitamente apanhado num rabo de cavalo.
- Tu? Como te chamas?
- David.
- Muito bem, David. Quando é dois e dois?
- Quatro...
- E consegue fazer quatro mais quatro?
O David ficou em silêncio uns instantes, e contou pelos dedos, até responder:
- Oito. Acho.
A Betty acenou. Depois olhou para a menina do rabo de cavalo.
- E tu? Como te chamas?
- Violetta. - Respondeu dela, com um grande sorriso de orelha a orelha. - Sei a tabuada do dois!
Vi alguns olhares de admiração. "Mas qual era a grande coisa" pensei, confusa.
- Isso é muito bom! E quem te ensinou? - Perguntou a Betty.
- A minha mãe.
- E sabes dizer-me, então, a tabuada do 2?
- Sim! Dois vezes um, dois, dois vezes dois, quatro, dois vezes três, seis...
A Violetta disse tudo até ao 10 sem hesitar. Mas eu sentia que aquilo estava simplesmente decorado a cuspe, e não percebido. E tive a prova quando a Betty lhe perguntou se podia dizer a tabuada do três, e a Violetta encravou totalmente, acenando nervosamente que não.
Por fim, a Betty virou-se para mim. A sua expressão endureceu.
Eu não desviei o olhar.
- E tu, Lyra. Que sabes fazer com os números?
- Hum... acho que mais ao menos tudo - não estava a perceber a grande confusão à volta desta situação. Como é que estes miúdos mal conseguiam somar?
- Tudo? - Riu a Betty, incrédula. - Bem, pareces-me um pouco convencida, menina Jones. Acabaste de sair dos 5 anos. Espanta-me se souberes quanto é 5 e 5.
- 10 - respondi calmamente.
A Betty fitou-me uns segundos. Notei que a Gabby estava a olhar para mim, tal como o Alex. E o Alfie. E o resto da turma.
- Então, Lyra, já que sabes "mais ao menos tudo", dizes-me a tabuada do três, que a Violetta não conseguiu?
- Três vezes um, três, três vezes dois, seis, três vezes três, nove...
Continuei a debitar a tabuada, sem o mínimo erro. Mas não parei no 10.
- Três vezes onze, trinta e três, três vezes doze, trinta e seis, três vezes...
- Pára, pára - ordenou a Betty. - Até o 10 é suficiente.
Calei-me, embora pudesse ter continuado até muito mais.
- Bem, sabes mais do que a maioria. Mas é óbvio que teremos de parar por aqui. Talvez daqui a uns anos vocês poderão fazer contas como dezanove vezes vinte e sete...
A Betty riu-se como se tivesse piada.
- Quinhentos e treze.
A Betty parou de rir.
Todos se viraram para mim, incrédulos. A boca do miúdo sardento abriu-se.
- Desculpa? - Perguntou a Betty, após alguns segundos de silêncio.
- Quinhentos e treze - repeti.
A Betty franziu as sobrancelhas, lentamente. Vi-a pegar numa calculadora e marcar uns números.
Depois, olhou de novo para mim.
- Muito bem, Lyra. - Disse ela, muito lentamente. - E sabes-me dizer quanto seria 134 a dividir por... vejamos... treze?
- 10, 3 aproximado às décimas - respondi automaticamente.
- E 1789,06 a dividir por 446... não, espera, esta é demasiado difícil...
- 4,01 aproximado às centésimas...
- Tens uma calculadora escondida? - Cuspiu a Betty, de repente.
Fui apanhada de surpresa.
- Não! - Respondi, atarantada. Levantei as mãos.
- Não tem, não - concordou a Gabby, ao meu lado. - Ela fez tudo de cabeça!
- Quê? - Lamuriou-se a Violetta. - Isso é impossível. Também quero.
- Não te preocupes, Violetta. Vocês vão todos aprender a fazer isso - assegurou-a a Betty, apesar de saber que não era verdade. Virou-se de novo na minha direção, e desta vez havia pura estupefação na sua cara.
- Quem te ensinou isso? - Perguntou-me por fim.
- Ninguém - encolhi os ombros. - Faço-o. Desde que aprendi os números.
Não estava a perceber a admiração geral. Os olhos estavam praticamente a saltar das órbitas da Betty, a Violetta olhava amuada para mim e os outros miúdos estavam todos a fixar-me. Mas porque é que estavam todos tão chocados...? Fazer contas de cabeça era assim tão anormal?
- Bem, Lyra, no fim da aula, diz à tua mãe que quero falar com ela - disse por fim a Betty.
Engoli em seco. Quando os professores queriam falar com os pais, estávamos em sarilhos. Esperava que não fosse por aquela coisa das alcunhas. A mãe ia ficar irritada por me ter metido em problemas logo no primeiro dia de aulas.
Durante o resto da aula, a Betty não me dirigiu mais palavra. Distribuiu-nos os cadernos e os lápis de cor, e deu-nos umas fichas sobre vogais, que fiz em meio minuto, enquanto os restantes coçavam a cabeça, sem saber por que ponta lhe pegar.
Por fim, tocou para o intervalo. Levantei-me e fui imediatamente ter com o Alfie e o Alex.
- Acho que a professora vai fazer queixa à mãe - disse-lhes, nervosa.
- Achas? - Disse-me o Alfie. - Não deve ser isso. Cá para mim, é por saberes fazer essas contas!
- Claro que não é - abanei a cabeça. - Ainda não percebi qual é esta admiração toda!
- Bem, eu não consigo! - Disse o Alex. - Acho que és a única!
- Não sou nada - rebati, chateada. Isto não fazia sentido.
- Já sei!! Quanto é... - o Alex sorriu de orelha a orelha, enquanto o seu cérebro hiperativo trabalhava a todo o gás. Quase que lhe podia ver faíscas. - Um milhão... a dividir por... quatrocentos e... Oito?!
- 2450,98 - sorri, divertida com a tentativa falhada do meu irmão gémeo para me apanhar em falso.
- Bolas! Um milhão é o maior número do mundo - disse o Alex, impressionado.
- Não é, não - sorriu o Alfie. - A minha mãe disse-me que os números são infinitos.
- Não, não. Um milhão é o maior de todos. - Rebateu o Alex, firme na sua teoria.
Vi a Gabby ali perto, a olhar para nós de lado. Sorri e chamei-a:
- Gabby. Anda connosco!!
A Gabby sorriu e veio alegremente, feliz por ter uma desculpa para se juntar.
- E tu quem és? - Perguntou o Alex, desconfiado.
- Chamo-me Gabby. - Anunciou ela. - Dás-me uma bolacha? - Perguntou, sem papas na língua, ao ver ao bolachas Oreo que a mãe nos dera para o lanche.
O Alex fitou-a, desconfiado.
- Hum... só se me deres o teu sumo de laranja.
- Trocamos?
- Trocamos.
Sorri, apesar de ainda estar preocupada. Era o primeiro dia de aulas e eu já respondera torto à professora, me tornara o centro das atenções e ela já chamara a minha mãe. A primária não me estava a começar bem.

***

A mãe disse-me para esperar lá fora, enquanto ela conversava com a Betty.
As outras mães estavam lá, a buscar os filhos e a levá-los para casa.
- Adeus, Lyra, Alfie, Alex!! - Berrou a Gabby, de mão dada com a mãe, ainda mais morena que ela. - Até amanhã!
- Adeus, Gabby!! - Acenámos. Apesar de tudo, sempre tínhamos feito uma nova amiga.
A Susie chegou pouco depois e levou o Alfie, após nos dar um beijo de adeus. Só sobrávamos eu e o Alex, ali, à porta, à espera que a mãe e a Betty acabassem a conversa.
Eu estava tão nervosa que mal conseguia respirar. Nunca me meti em sarilhos. E se eu ficasse de castigo? E se a professora me desse má nota? Eu nunca tive má nota.
- Não te preocupes, Ly - reconfortou-me o Alex, abraçando-me. - Vais ver que não é nada demais.
- Estou a morrer de ansiedade. Quem me dera poder ouvir do que estão a falar.
- Se encostares o ouvido à fechadura, talvez consigas.
Não custava tentar. Pus-me de pé e espreitei pelo buraquinho da chave. Conseguia ver a minha mãe de pé, de expressão séria, e assim que o Alex parou de falar, consegui perceber o que elas estavam a dizer:
- ... Conseguiu de cabeça! Foi a coisa mais espetacular que já presenciei, Sra Jones.
- A Lyra? - A minha mãe estava com uma expressão incrédula. - Mas... como assim? Não se está a enganar...
- Não há erro nenhum. A Lyra fez de cabeça contas que nem eu consigo fazer. Só há uma conclusão a tirar, Sra Jones: a sua filha é sobredotada.
Sobredotada? Que era aquilo?
- O que é sobredotada? - Sussurrei ao Alex.
- Hum... Parece uma doença qualquer. Daquelas que te deixam com pontinhas vermelhas pelo corpo.
Doença qualquer?! E se me internassem num hospital?! E se não houvesse cura?!
- Sobredotada?! - A minha mãe exclamou, confusa.
- A Lyra é um génio, Sra Jones. Tem um dom que pouquíssimos têm. E é fenomenal a maneira como, aos 6 anos, ela tem competências matemáticas de alguém da universidade.
- Mas... eu nunca notei nada!! Quer dizer, ela sempre foi boa aluna, e aprendeu a ler muito depressa, sem dúvida, mas... sobredotada?
- Vou-lhe mostrar. Pode chamar a Lyra?
Imediatamente afastei-me da fechadura da porta. A minha mãe abriu-a:
- Lyra, anda cá, por favor.
Entrei, lançando um olhar hesitante ao meu irmão gémeo. Já não estava preocupada, visto que não tinha nada a ver com o Gabby-Betty, mas não estava a perceber muito bem o que se passava.
A Betty olhou para mim e disse:
- Lyra, responde-me, por favor, quanto é 578,08 a dividir por noventa e nove?
A resposta saiu-me automaticamente, tal como das outras vezes.
- 5,839191919191...
- Podes parar. - Virou-se para a minha mãe. - Vê?
A mãe estava de olhos arregalados e uma expressão absolutamente aturdida. Olhou para mim como se eu fosse um alien.
- Mas... ela... nós... - Gaguejou. - Como é que nunca nos apercebemos?!
- Não é coisa que se veja.
- Lyra! Porque é que nunca me disseste que sabias fazer contas de matemática? - A minha mãe baixou-se para ficar ao meu nível de olhos.
Mas se eu própria não o sabia!! Quer dizer, na minha cabeça gostava de calcular a duração dos episódios do Manny Mãozinhas, e ficara surpreendida quando mais ninguém do infantário soubera calcular o volume da garrafa de água, mas nunca pensara que fosse algo extraordinário.
Bem, aparentemente era.
- Mas nem eu nem o meu marido somos bons a matemática. O Alex, o irmão dela, nem contar, sabe! - Insistiu a minha mãe, quase maravilhada.
- Não é hereditário. Por vezes, nascem pessoas com capacidades intelectuais além do normal, como é o caso da Lyra. - A Betty sorriu-me, e desta vez, o sorriso não era falso.
Pelo menos, no meio disto tudo, eu aprendera duas coisas importantes.
Sobredotado não era uma doença.
E eu era, de alguma maneira, diferente dos outros miúdos.
Sorri.
Talvez o primeiro ano não viesse a ser assim tão mau.

Comentem a dizer o que acharam, e se quiserem ver algum short ou PDV interessantes, digam!

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