8. O GAROTO EXEMPLAR

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Caroline chegou atordoada em casa. Fechou a porta e as janelas com tamanha rapidez e frenesi que quase não notou Heloise a acompanhando pelos cômodos — ou não era relevante naquele momento. Dessa vez a garota não conseguiu conter nem um terço do pânico: cada parte de si tremia descontroladamente, sua respiração ofegante e rápida indicava que havia corrido sem cessar. Os olhos arregalados denunciavam o medo.

— Você pode me explicar o que está acontecendo?!

— Aconteça o que acontecer — disse Caroline quando fechou a última janela da casa, a do quarto da mãe, a agarrando pelos braços e a apertando como se tentasse prendê-la nela mesma para manter Heloise segura. — Não abra a porta!

— Por quê? O que está acontecendo? — Heloise fez a pergunta antes feita e que Caroline não tinha dado a mínima atenção. Ela podia sentir o desespero emanar da filha. Era pior do que quando foi atacada pelo corvo.

— Ele pode estar em qualquer lugar, mãe! — disse Caroline com a voz alterada e os olhos arregalados de medo. — Prometa que não vai abrir a porta! Que não vai deixá-lo entrar! — berrou. — Prometa, mãe!

— Ele quem?! — Heloise quis saber em meio ao desespero.

Foi nesse exato momento que Caroline percebeu que havia falado demais. Não estava em seus planos contar a Heloise o que flagrou no bosque do riacho. Seria arriscado demais, e precisava mantê-la longe de tudo aquilo — manter Heloise longe da confusão que ela mesma havia entrado.

Caroline jamais diria a mãe a verdadeira história, primeiro que para isso teria de contar sobre o tormento no banheiro do Dornn Burger, sobre a perseguição, a velha e como de fato aconteceu o ataque do corvo, sobre o pesadelo com o homem deformado, e a invasão em seu quarto. Segundo, contar sobre a ida ao riacho sem a permissão dela acarretaria em uma longa bronca sobre irresponsabilidade ou até mesmo castigo.

Terceiro, duvidava muito de que a mãe acreditaria nela, e Caroline não estava nem um pouco a fim de ser tratada como maluca, e forçada a frequentar psiquiatras e terapeutas novamente.

E por último, mas não menos importante: contar que flagrou um assassino enterrando um corpo no bosque tornaria Heloise o mais novo alvo daquele perverso. Caroline queria deixar a mãe fora de qualquer perigo, isentá-la de qualquer consequência em que ela própria era a única culpada. Se alguém teria que morrer para ser calada para sempre, teria de ser ela mesma e não a mãe. Por isso, narrou uma desculpa fajuta de que estava com as amigas no Dornn Burger quando soube — através da conversa de alguns funcionários — que tinha um bandido à solta na cidade, invadindo as casas. E que seu desespero se devia àquilo.

De início Heloise custou a acreditar, mas conforme Caroline foi adicionando mais detalhes a mentira, a mulher se convenceu de que a filha estava falando a verdade. Não demorou muito para que a mulher seguisse com uma lista interminável de como deveriam agir dali em diante e do que poderiam ou não fazer enquanto o criminoso não fosse capturado. Caroline ficou fingindo ouvir as proibições, mas sua mente ainda vagava pelo bosque repassando toda a cena que infelizmente experienciou.

À noite, foi submetida a pesadelos de perseguição sem fim. O que já era de se esperar. Sonhou com todos os tipos inimagináveis de monstros, com o homem deformado e com todos os elementos que a assombraram durante aquela semana enlouquecedora. E claro, com o cara do bosque, todo manchado de sangue.

Do sangue dela.


No dia seguinte Heloise a levou para a escola — como haviam combinado no dia anterior —, e Caroline não se opôs como normalmente faria. Ainda estava atordoada demais para se arriscar a andar sozinha pelas ruas da cidade. Nem sabia como conseguiu fazer isso de volta para casa quando escapou do bosque, provavelmente porque estivesse em modo automático junto ao instinto de sobrevivência pilotando seu próprio corpo.

IMORTAIS: Mundo Sombrio - Livro 1Where stories live. Discover now