Culpa 2

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Caminhar pelas ruas de São Paulo pode ser bom, muito bom na verdade. Milhares de pessoas passam ao seu lado sem nem ao menos saber quem você é. Isto não poderia ser melhor, certo? Devo admitir que sempre preferi ficar na minha, sem chamar atenção, mas naquela tarde, um rosto familiar pairou ao meu lado.

- O que aconteceu com o seu rosto? – Indagou Daniel, que surgira de repente ao meu lado.

Viu? No meio de uma multidão, é difícil distinguir quem se aproxima de você. Ouça os sons dos passos. Perceba uma mulher do meu lado direito. Ela está abrindo a bolsa, procurando uma chupeta para seu filho, que chora desoladamente, como se sua vida dependesse disso.

- Agora se importa? – Indaguei de forma um tanto ríspida. Minha boca está seca, minha língua áspera se agitando ao lembrar do beijo repentino de Daniel.

- Eu...sinto que lhe devo explicações.

Paro e olho bem para ele. Julgando-o. A loucura que outrora dominara seu olhar agora era substituída por um arrependimento quase irreconhecível, que se misturava entre os nuances de seus olhos castanhos. Daniel mordeu seu lábio inferior. Meu pau responde, agitando-se em minha calça.

- Não me deve explicações. – Anunciei e voltei a caminhar, passos firmes enquanto eu tentava voltar para o meu barracão, o qual eu era obrigado a chamar de casa.

- Não quer nem ao menos saber o motivo de eu não estar na faculdade? – Daniel perguntou enquanto tenta me acompanhar.

- Por quê? Decidiu que vai se jogar no rio tietê ao invés de pular do prédio?

Daniel riu, o nervosismo percorrendo sua espinha.

- Essa foi boa.

Não me dei ao luxo de responder. Paramos no sinal vermelho para pedestres. Sente esse cheiro azedo e gosmento? Bom, ele está se misturando, agora, com o cheiro do cachorro quente que uma mulher de pele escura está fazendo à minha esquerda. O cheiro azedo poderia ser vômito ou o esgoto. Nunca soube a resposta exata.

- Você nem ao menos me agradeceu. – Deixei escapar por entre o ranger de dentes. Uma parte de mim queria falar com ele. Uma parte que sempre estivera acordada, mas era negligenciada na maioria das vezes.

- Eu te beijei... – Anunciou ele e eu olhei para os lados. Ninguém parece perceber o que ele disse. Seu maxilar estava rígido quando toquei em seu braço e o fiz caminhar. O toque macio de sua pele lançava ondas eletrizantes por meu corpo. Controle-se! Ele é apenas um garoto!

- E realmente acha que queria aquilo? – A resposta em meu subconsciente dizia que sim. Não, na verdade, ela berrava que sim, mas eu tentei controlar o ego inflado que Daniel Duarte parecia ter, protegido por uma blusa de manga curta preta, que contradizia sua palidez invejável.

- Acredito que sim. – Admitiu enquanto passava a mão pelos seus cabelos.

- Bom, eu não queria. – Menti, agora, para manter o meu orgulho.

- Tanto faz. – Responde de forma displicente. – Bom, se eu tenho que dizer obrigado para te colocar dentro do meu carro...que seja. Obrigado. – Ele diz, seus grandes olhos arredondados fitando meu rosto. Meu pomo de adão sob conforme engulo secamente.

...

Veja através de meus olhos. Algumas folhas estão voando contra o vidro do fusca que Daniel tenta dirigir velozmente, ignorando sinalizações vermelhas, passando com suas rodas "ávidas" por asfalto. Eu me agarro ao banco de couro enquanto a brisa brinca com meus cabelos. O cheiro amargo da poluição desaparece, permitindo que o aroma perfumado de flores silvestres adentrasse minhas narinas.

Culpe-me 5xOnde as histórias ganham vida. Descobre agora