Culpe-me

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O que faz do ser humano um ser culpável? Seria a morte apenas uma criação banal de uma mente perturbada que buscava um meio de justificar seus atos imperdoáveis? Seria a morte, por conseguinte, uma saída infeliz? Por entre as lágrimas frias que escorrem por meu rosto, a minha visão se torna turva, embaçando o sentido da lucidez, fazendo-me sucumbir a um pensamento irracional.

Como cheguei aqui? Como meu coração despedaçou-se em mil fragmentos, tão imundos e fraqueados quanto as paredes desse banheiro? Vire seu rosto para direita e veja a frase: coma minha porra escrita em letras garranchadas de alguém que não viveria até os vinte e sete anos teve o prazer de escrever. Agora, acompanhe minha visão pelo interior dessa local que fede a mijo e hormônios. Veja através de meus olhos. Consegue ver o pinto gigante desenhado próximo à fechadura enferrujada da porta? Consegue ver seu escroto pendurado, uma bola maior que a outra? Encantador, não? O que será que Monet pensaria de obra tão malfeita?

Agora, levante-se comigo, caminhe por entre os pisos de ladrilho, sinta-os quebrando embaixo de seus pés. Estou abrindo a porta, o ranger dela ecoa por todo o ambiente, cortando o ar. Sinto lhe dizer que a visão não é agradável.

Se caminharmos com passos curtos, ironicamente, alcançaremos, num súbito suspiro, a pia de granito, quase sempre molhada e com papeis brancos e enrugados dormindo incessantemente, o que os poupa de testemunhar os atos brutais que ali ocorrem. Está vendo aquele espelho estilhaçado? O vidro partido desenhando formas abstratas? Alegrar-me-ei ao dizer que meu rosto fora o responsável por tamanha obra prima. Naquele dia, quando senti os minúsculos cacos adentrando minha pele clara, sabia que havia chego ao meu fim. Agora, quando toco o canto direito de meu rosto, sinto as pequenas cicatrizes que se recusam a me fazer esquecer que, ali, eu não sou nada.

Agora, incline seu corpo por sob a lata de lixo ao lado da pia. Isso mesmo. Está vendo aquela mancha seca e asquerosa que tenta se esconder através das sombras falhas deste lugar? Exatamente. Porra seca. Uma obra de arte como este banheiro sempre precisa de uma assinatura, não? Bom, é o que a maioria dos garotos desta instituição pensam ao ver garotas como Bela Perez ou Helena Houser. Eles correm para cá, com seus membros enrijecidos e as mãos dentro das calças. Eu não faria isso.

Bom, ao menos não o faria por causa de uma garota. Não pense nem por um segundo, caro leitor, que sou inocente na patética história de minha vida. Não. De maneira alguma. Todas as noites em claro em que me agarrava às fotos do corpo nu de Daniel Duarte já me garantiram uma passagem sem volta ao doce inferno.

Mas talvez você se pergunte sobre os porquês de estar perdendo seu tempo comigo. O que te fez chegar até aqui? Bom, caro leitor, sinto lhe dizer que talvez você seja tão culpado quanto eu nesta história. Não permiti que soubessem meu nome até agora para que possa me culpar com mais facilidade. Afinal, é o que todos vocês deverão fazer. Durante os próximos cinco dias, você e todos aqueles que se atreverem a ler tão odioso relato de vida terão a chance de me culpar por cinco motivos diferentes; únicos por si só. Não se sinta mal. É extremamente compreensível a necessidade pateticamente humana de culpar ao próximo. Assim, com todos os estilhaços do meu ser, eu o convido, leitor:

Culpe-me cinco vezes.


Culpe-me 5xOnde as histórias ganham vida. Descobre agora