29.

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Luís fechou a porta da geladeira e grunhiu quando não encontrou nenhuma cerveja sobrando. Tudo o que ele queria naquela noite era uma cerveja gelada e dormir como uma pedra, mas nem isso o maldito Universo permitia. Os sons da televisão — que deveria estar desligada há muito — tornaram-se violentos, e Luís suspirou, arrastando os pés até a sala.

Bárbara estava enfiada em seu pijama curto, jogada no sofá com o controle remoto na mão e prestando mais atenção do que deveria na televisão. Seus pés balançavam no ar, e ela ria a exata risada de Camila, sua mãe. Luís se escorou no marco da porta da cozinha e sorriu. Numa tentativa falha de repreendê-la, perguntou:

— Ei, tu não deveria tá dormindo?

Bárbara levantou um pouquinho o rosto, franzindo o nariz arrebitado.

— É meia-noite, pai. — Ele a encarou de volta. A garota deu ombros. — Meio cedo pra ter sono, né?

— Chega pra lá, pestinha.

Luís contornou a pilha de livros do chão e se sentou no sofá. Bárbara ergueu as pernas para que ele se acomodasse melhor, e os dois ficaram em silêncio, assistindo televisão. Luís não demorou a fazer uma careta para o programa.

— O que tu tá vendo?

— Um documentário sobre torturas medievais. — A careta dele se aprofundou, e Bárbara riu. — Pois é, a Idade Média na Europa não foi muito delicada, mas não se pode negar a criatividade dos caras.

Luís riu, apesar de achar esquisito aquela fixação da filha por documentários macabros do canal de História. Sem falar naquele sonho nada convencional de tocar violino na orquestra de Berlim. Essa menina só podia ser minha filha e da Camila.

— Mas o que rolou? — Quando ele não entendeu, Bárbara olhou em sua direção. — Tu voltou da cozinha meio triste...

— Acabou a cerveja — reclamou Luís. — E eu me esqueci de comprar mais.

— Tu anda meio esquecido ultimamente.

Ele semicerrou os olhos quando Bárbara sorriu com o canto dos lábios. Apesar de a filha ter a atenção presa na televisão, Luís sabia que ela esperava por uma resposta. Ele suspirou.

— Tu nunca vai me perdoar por ter perdido a tua apresentação, né?

— Já perdoei. É que eu sou adolescente, pai — disse ela. Luís franziu o cenho outra vez. Num tom de confidência divertido, Bárbara arrematou: — Se eu não fizer da tua vida e da vida da mãe um inferno, qual é a graça?

Ele riu.

— É, tu tem um bom ponto aí. — Após um breve silêncio, Luís sentiu a necessidade de dizer: — Ah, e desculpa por não ter preparado nada pra hoje. Fiquei até tarde na DP, e a tua mãe ligou em cima da...

— Relaxa. — Bárbara mirou-o com o canto dos olhos antes de sorrir para a televisão. — O importante não é o que a gente faz, mas o tempo que a gente passa junto, pai.

Luís ficou em silêncio. Camila havia ligado em cima da hora, perguntando se ele poderia ficar com Bárbara para ela ter uma noite romântica com Beto. Luís só teve tempo de pegar a filha no ensaio da banda de punk rock onde ela tocava violino e pedir uma pizza. Agora, sentado com ela no sofá, ele sorriu.

— É, acho que sim.

— Aliás, tu recebeu mensagem. — Bárbara alcançou o celular a ele.

Afoito, Luís abriu a mensagem pensando ser dela, mas era apenas um aviso da companhia telefônica avisando do vencimento da conta. Com um suspiro, ele relaxou no sofá e trincou a mandíbula, ato que não passou em branco para sua filha. Aparentemente, nada escapava à garota.

Sob a Pele de Érica | ✓Wo Geschichten leben. Entdecke jetzt