Dois Sois

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O despertador apitou, lembro que bati rápido a mão nele, não queria que minha mãe acordasse, ela esteve fazendo hora extra a semana toda na Agencia de Turismo, tudo para quitarmos as dívidas e continuarmos com a nossa casa. Desde que meu pai morreu, ela ficou com todas as despesas e perder a nossa casa seria perder a única coisa que restou de nossa antiga vida com ele.

O sol não nasceu ainda, acordo as 4:15 da manhã, me levanto da cama e caminho para o meu banheiro, lavo o rosto e fico feliz quando olho no espelho. "Nenhum sinal de espinhas"

Tomo banho, visto o uniforme, camisa branca com o símbolo formado de setas e Rosa dos Ventos, escrito em letras douradas, em baixo. Uso toda a força dos meus joelhos para levantar minha mochila, está pesado com todos os meus livros, perdi meu novo horário e não faço a mínima ideia de qual matéria eu tenho hoje, pretendo largar meus livros no armário e conseguir um novo horário com a Agnes, minha melhor amiga.

Desço as escadas suspensa por cabos, que dá para o meu quarto, que fica no sótão, o chão de assoalho range sob meus pés, me fazendo deslizar cuidadosamente a mochila no chão e me espremer pela passagem estreita da porta levemente aberta, do quarto da minha mãe. Dou uma olhada rápida nela, seu cabelo dourado como cobre contrasta gritantemente com sua pele amendoada, ela dorme como se estivesse encantada, esperando que um príncipe venha beija-la. 

Caminho para o seu banheiro, evitando tudo o que está espalhado no chão, minha mãe ignora a função de um cabide, ou o cesto de roupa suja. Seu banheiro é azul turquesa e branco, e ele parece tão bagunçado quanto o quarto dela. Vasculho na gaveta até encontrar uma caixinha preta, abro com cuidado para o pó não sujar minha camisa branca, com o dedo mesmo, salpico um pouco desse pó embaixo dos meus olhos, no espelho eu gosto do resultado, as olheiras já eram. Tive noites ruins ultimamente, sonhos estranhos que não me deixam dormir, onde estou sempre fugindo de alguma coisa que quer me pegar, nunca vejo o rosto, nem do que é, mas sempre sinto um medo dominador que me toma e me impede de fazer qualquer coisa, a não ser ficar acordada com medo de voltar a dormir.

Desço as escadas que dão para a sala de estar, a casa está escura, ainda são 4:40, não consigo enxergar bem, mas sei de cor quais são os nomes de cada retrato pendurado na escada, sessenta e três Whitakers até chegar na última foto, a minha, a última Whitaker nascida, minha mãe não conta pois não é uma Whitaker de sangue, mas só de nome, isso faz de mim a última Whitaker viva também. 

O tapete com estampa de leão abafa o som do meu pé e sei que cheguei no fim da escada, do lado direito da para a poltrona verde que não combina com nada na sala, o papel de parede é vinho com flores de lis douradas e o sofá é vermelho puído pelo tempo, uma armação de madeira que lembra um tronco de uma arvore parece sair do chão na vértice da parede em frente ao sofá e a parede da janela, como uma arvore bifurcada, seus ramos principais se dividem em outros troncos bifurcados menores.  Na parede da janela os troncos se tornam galhos que parecem contornar a janela, ganchos presos ao tronco superior, suspende uma cortina creme, que eu acho que era branca, mas amarelou. 

Na outra parede, os troncos se contorcem de forma equilibrada e lembra uma estante suspensa na parede e a tv de 52 polegadas, fina e elegante contrasta com o rustico da sala em madeira.

Sigo a esquerda e temos a sala de jantar, uma grande sala, com uma mesa para 8 pessoas, mas em toda minha vida nunca vi ela sendo usada. Um desperdício de espaço. A mesa é linda, suas pernas são ornamentadas com figuras de animais, as cadeiras têm pernas que parecem ramos de folhas e há um animal diferente em cada um dos encostos, tudo talhado em madeira. O relógio de carrilhão de chão fica ali na sala também, ele é a peça mais antiga da casa, dizem que ele é até mesmo mais velho que a Família Whitaker inteira. Há também uma enorme arca, que facilmente pode ser confundida com um balcão, o que não consigo entender para que serviria.

FôlegoWhere stories live. Discover now