Anjo Negro. 2

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     A jovem trajando um vestido azul com flores brancas se encontrava debruçada sobre a janela do seu quarto admirando o imenso azul do céu, que, especialmente, naquela manhã, estava com uma beleza extraordinária, fora do comum. Desde menina sempre teve uma capacidade admirável de observar os pequenos detalhes da vida, coisa que a maioria das pessoas deixavam passar desapercebidas, infelizmente. Desde que nascera, Berenyce teve que se adaptar a uma rotina severa para se manter viva, mas nunca reclamou disso. Perdeu a mãe muito cedo, fora criada pela tia Irene, mulher íntegra que a tratou como sua filha de verdade.  Quando a pegou em seus braços, ainda era muito pequena, nascera prematura, terrivelmente magra e fraca. Sua mãe, que vivia em uma vida frívola de drogas e prostituição, morreu instantes depois de dar-lhe à luz, deixando como herança para a filha apenas uma doença terrível que teria que carregar consigo pelo resto da vida. Portadora do vírus HIV, Berê, como os amigos mais chegados costumavam chamá-la carinhosamente, foi criada de uma forma muito regrada, sempre ouvindo "não pode fazer isso, não pode fazer aquilo", mas teve uma ótima educação. Irene, diferente da irmã caçula, era realmente uma mulher muito religiosa que lhe ensinou de bom grado como andar nos caminhos de Deus. Hoje, aos vinte e sete anos, ela era uma jovem com um farto conhecimento e uma fé além do entendimento humano. O mais interessante era que isso fluía naturalmente, sem esforço algum, até mesmo nos pequenos gestos, como quando abria a boca. Os poucos que não deixavam o preconceito falar mais alto e chegavam perto dela o suficiente para lhe ouvir por no mínimo um minuto sequer, se apaixonavam logo de cara. Tinha um jeito atrapalhado, porém, encantador. Não era dona de uma beleza avassaladora, mas também não era feia. Exótica seria a palavra certa, dotada de traços fortes. Até tinha um certo charme, nada incrível é claro, mas algo que só existia nela. Os cabelos, mantinha-os longos, cachos rebeldes soltos pelo ar. Sempre enfeitado com flores de todas as formas e cores, como uma boneca de pano. Nunca provou da experiência de ter a sensação de sentir os seus lábios em atrito com de outra pessoa, o medo de transmitir o vírus da AIDS era tanto que preferia não se aproximar de ninguém intimamente. Não queria correr risco nenhum que tal desgraça acontecesse.
— Sabe Deus, o céu é sempre lindo! Porém, hoje ele está simplesmente espetacular! — Suspirou Berenyce, ainda entretida namorando a beleza do céu, completamente apaixonada por uma das infinitas belas obras de Deus.
— Falando sozinha de novo, filha? — Perguntou tia Irene adentrando o quarto da sobrinha, que ostentava apenas uma cama de madeira no meio, um guarda-roupas branco com alguns adesivos de flores e uma pequena mesa no canto com alguns livros em cima, afinal, era amante da literatura.
— Não tia, estou conversando com o meu melhor amigo. A senhora sabe perfeitamente que não consigo começar bem o dia sem antes falar com Deus.
— E eu fico muito feliz em saber disso, querida, mas, filha, você esqueceu que as crianças já devem estar loucas à sua espera lá na igreja?
Berenyce há mais de quatro anos era voluntária no Orfanato das Freiras do Carmo. Aos domingos de manhã, fazia questão de levar as crianças que lá viviam na missa realizada pelo bondoso Padre Bento. Ele tinha uma enorme admiração pela jovem, sempre usava sua história de vida como exemplo para aconselhar outros jovens, que diferentes dela, tinham de tudo... famílias estáveis, dinheiro e principalmente saúde, contudo viviam reclamando de uma ou de outra coisa. Berê, além do problema da doença, tinha uma vida simples e dinheiro não era uma coisa "normal", recém-formada em agronomia, sua paixão sempre fora os poucos amigos que tinha e usando de sinceridade, esses "poucos amigos" não passavam de dois. Os únicos que não tinham nenhum medo de se contaminarem com o vírus só em olhar para ela, como a maioria pensava.
— Você, melhor do que ninguém, sabe que não pode se arriscar em pegar uma gripe, meu amor! Na sua condição, um simples resfriado poderia ser fatal. — Irene já tinha perdido as contas de quantas vezes passou várias noites com a sobrinha quase morrendo em uma cama de hospital por conta de um simples resfriado, então, advertiu-lhe pela bilionésima vez como sempre fez.
— Não estou com frio tia, mas se for para deixar a senhora feliz, sou capaz de fazer qualquer coisa! — Disse Berenyce com um sorriso doce presente no rosto, vestindo o seu agasalho cor de abóbora, que por sinal era o seu preferido. Ela adorava cores fortes, gostava de flores e era completamente apaixonada pelos animais! E eles por ela, diga-se de passagem, não podia passar na rua que vinham todos atrás.
— Então vamos, não quero perder o início da missa! — Advertiu Irene.
— Está bem tia, o padre Bento odeia atrasos. — Exclamou a moça depositando um beijo no rosto da pessoa que mais amava no mundo.
Depois que voltaram da igreja, Irene chamou a sobrinha para lhe contar uma novidade em relação ao seu trabalho, fato que mudaria totalmente a vida das duas.
— Filha, você sabe que já há muitos anos que trabalho como professora na escola que estudou desde pequena. — Irene tinha uma expressão preocupada no rosto, apesar de ser uma ótima professora e amar a sua profissão, ganhava uma mixaria para lecionar em uma escola que ficava na periferia da grande cidade de Londres. Queria poder dar uma vida melhor para Berenyce, tentar uma coisa nova ou um lugar novo talvez.
— Sei sim, tia! Apesar de ser um lugar conhecido por ter muitos alunos violentos, não via nenhum problema em estudar lá. Acredito que as vezes é muito fácil julgar a atitude de uma pessoa quando não se sabe o que ela passa em casa, muitas das vezes sendo agredida ou violentada, não tendo sequer um pão para colocar na mesa.  Então tonam-se apenas jovem perdidos, sem nenhum objetivo ou oportunidade, não digo todos, é claro! Muitos estão nessa vida por que querem, por gosto. Mas a maioria é falta de oportunidade mesmo, de uma chance para tentar.
— Filha, esse seu coração não existe! — Irene sempre se emocionava com a mania que a sobrinha tinha de ver apenas o lado bom das coisas, mesmo onde não havia nenhum.
— Não exagere tia, me conte logo sobre essa tal novidade! — Se tinha uma coisa que ela sempre foi é curiosa. Querendo saber o porquê disso ou daquilo, sempre! Gostava de estar continuamente aprendendo coisas novas, quanto mais melhor.
— Nós vamos nos mudar para uma pequena cidade chamada Buckingham, um povoado que fica próximo de um castelo famoso. Fui convidada para dar aulas em uma modesta escola de camponeses. Pensei muito na proposta e decidi aceitar. O salário é ótimo! E ainda vão nos dar moradia e algumas regalias a mais.
— Amo morar aqui em Londres, não posso mentir. Vou sentir muitas saudades dos meus amigos e das crianças do orfanato, mas se a senhora acha que será o melhor para nós, vou sem olhar para trás. Tendo Deus no coração não tenho receio de ir para qualquer lugar que for, ainda mais ao lado da senhora.
— Obrigada por me entender, meu amor! Mudaremos em menos de um mês e seja o que o nosso bondoso Deus quiser, Ele é o único que nunca nos abandona!

Lorde Willian (um conto de amor) Completo.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora