Príncipe das trevas. 1

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     Todas as noites o Lorde regredia ao mesmo lugar, onde anos atrás perdera a sua família, era uma enorme ponte que ligava o povoado com as dependências do Castelo. Parado bem no meio, ele observava a calmaria do lago, com a pergunta que fizera para Deus por milhares de vezes em sua cabeça: "Porque levou os dois e não a mim? O homem vestia sua capa escura que balançava conforme a vontade do vento, o rosto escondido debaixo do capuz, a barba por fazer e os cabelos longos, na altura do ombro ajudavam na função de acobertar a sua bela face. Quem o observasse de longe teria a certeza que era de fato um fantasma.

      As más línguas espalharam pelos quatros quantos do Condado que depois do trágico acidente o Lorde tinha tirado a própria vida, a verdade era que por falta de tentativa não foi, mesmo se empenhando muito nesta função, o coitado sempre fracassava em suas tentativas. Por fim, acabou desistindo de tentar, acreditando que Deus o odiava tanto, que além de tirar dele tudo o que amava, ainda queria vê-lo bem vivo para sofrer sozinho sabe-se lá quantos anos. Não conseguia entender o motivo de um castigo tão cruel. Sempre foi um homem religioso, mas agora acreditava fielmente que se existisse um ser tão misericordioso não deixaria uma mulher tão caridosa como Luíza morrer, ainda mais Joaquim, que era a criança mais encantadora que vira em toda sua existência. No dia do acidente estavam regressando de uma quermesse beneficente que sua esposa havia preparado com muito carinho entre os herdeiros da Realeza, seu objetivo era arrecadar fundos para ajudar uma das várias casas de apoio aos pobres e doentes da ONG dela. Dentro do veículo todos riam de uma piada que o pequeno Joaquim escutou na Escola. O Lorde sorria compulsivamente do filho, todos estavam muito felizes com a pequena fortuna que arrecadaram para ajudar aos necessitados, aliás felicidade era uma coisa que não faltava naquela família.

Porque está me olhando assim? — A esposa do Lorde perguntou envergonhada com a forma profunda que o marido a observava enquanto conduzia o veículo.

— Quando te conheci pensei que nunca veria algo tão perfeito! Mas depois veio o Joaquim! — Observou pelo retrovisor e viu o filho na cadeirinha brincando com o carrinho no banco de trás. — Vocês dois são tudo em minha vida. Considero-me o homem mais feliz do mundo! — Completou ao voltar o olhar sobre ela com ternura.

— Eu te amo, Lorde William. E você, também me ama, depois de tantos anos juntos? — Perguntou com um charme que só ela tinha. Luíza era uma verdadeira dama da sociedade! Vinda de família rica, entendia bem de etiqueta e moda. Era alta e tinha cabelos longos na cor castanho claro e seus olhos verdes eram incrivelmente perfeitos.

Will sorriu apaixonado com a declaração da esposa, mas assim que ia responder à altura dizendo como a amava também, do nada apareceu um caminhão desgovernado em cima da ponte e jogou o veículo deles dentro do lago. Quando o Lorde acordou, estava em um hospital recebendo, logo após, a notícia que era o único sobrevivente. O pior foi saber que o motorista do caminhão, que estava alcoolizado, também tinha sobrevivido e estava pagando o crime em liberdade porque era réu primário.

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— Deixe-me adivinhar, a assombração estava espalhando ectoplasma por aí? — Exclamou o mordomo da família há mais de... nem ele sabia ao certo quanto tempo. Ele não se conformava com a vida obscura que o patrão adotou para si, então usava todo sarcasmo para deixar bem clara sua opinião sobre o assunto. Era o único que tinha acesso ao Lorde e pelo tempo de casa tinha liberdade para proclamar o que viesse em sua mente. Desde menino Will lembrava do velho Senhor Bernard Thaner com a mesma cara, principalmente o mesmo terno de gravata borboleta que parecia estar grudado ao seu corpo! Afinal Will nunca viu tal homem com outras vestes.

— Você não dorme nunca, Bernard? — A voz do Lorde era grave, incrivelmente grossa e sexy. O tipo que seduziria uma mulher apenas com um simples "Oi".

— Olha quem está falando! — O mordomo respondia ao patrão com o nariz empinado, quem os ouvisse dialogando teria a certeza que o Lorde ali era ele e não Will.

— Não estou com paciência para o seu sarcasmo hoje, Bernard! Sugiro que vá atormentar outro e me deixe em paz.

— É mesmo? Não me diga! —Aquele velho baixinho tinha prazer em provocar o patrão.

— Às vezes me pergunto porque ainda mantenho você trabalhando nesse Castelo. — Mesmo tendo uma enorme consideração pela amizade do Senhor Thaner, Will não gostava nem um pouco da mania que o mesmo tinha de intrometer-se em sua vida.

— Por que sou o melhor em tudo que faço! Acha mesmo que será fácil encontrar outro que ature um rabugento feito o Senhor? Fora que se for me pagar por todo direito que tenho pelo trabalho escravo que fiz para essa família há décadas, pode ter certeza que não saio daqui sem pelo menos levar algumas das centenas de empresas que tem por aí e mais a metade desse castelo no bolso. — Drama também era uma das facetas do mordomo de língua solta.

— Tenho certeza que não! — Proferiu Will se cansando, enquanto o empregado lhe auxiliava na retirada de suas vestes.

— Vou jogar isso no lixo amanhã mesmo! Está um nojo! — Afirmou o senhor de humor "sério" segurando nas pontas dos dedos, para ter o menor contato possível, a capa que tinha acabado de auxiliar o homem de postura nobre retirar.

— Isso só acontecerá depois da minha morte! — O Lorde tinha o maxilar cerrado, sinal que sua paciência estava por um fio, se fosse com outra pessoa já a teria perdido há muito tempo. Aquela capa tinha se tornado como seu escudo para com o mundo, quase nunca a tirava. — O que não deve demorar muito, porque sonho com a morte a cada minuto que vivo...

— E vai ser o que dessa vez senhor? Pendurar-se na torre do Castelo ou envenenar-se? Saiba que aprendi com minha santa mãezinha, e que Deus a tenha no céu, umas misturas de ervas naturais que são tiro e queda. Prometo resultado em menos de vinte quatro horas. Porque, vamos combinar, a última vez que tentou se matar foi um fracasso! Aquela tentativa de se jogar daquele penhasco foi pecaminosa, para não dizer ridícula. A única coisa que conseguiu foi umas boas escoriações nesse seu traseiro magricela. Da próxima vez, espero que seja um pouco mais criativo, filho, porque não consegui devolver o caixão de luxo que encomendei para o senhor e o tenho, até hoje, guardado no meu quarto. — Mesmo fazendo graça Bernard estava com o coração na mão, com medo do patrão tentar algo contra si mesmo. O mordomo, mais do que ninguém, sofreu muito vendo as tentativas frustradas do Lorde de tirar a própria vida.

— Não se preocupe, Thaner, uma hora dará certo!

— Não brinque com coisa séria, Senhor!

— Não sou mais homem de brincadeiras, Bernard! — A forma sombria com que o Lorde falou, o deixou deveras preocupado. Ele sabia que se não aparecesse alguma coisa para trazer luz à vida do patrão, a morte que ele tão sonhava não estaria longe de vir. Por um momento pensou que talvez fosse até melhor, pois pior do que morrer, era viver daquela forma deprimente. Então Bernard pensou... "Willian precisava mesmo era conhecer alguém que lhe mostrasse a vida de outra forma, ensinando a ele que o sofrimento não está no tamanho dos nossos problemas, mas sim na forma como os encaramos..."

Mas a questão era saber... quem seria essa pessoa, já que o fantasma não dava abertura para mais ninguém além dele e o cavalo Majestoso? O que o mordomo não tinha conhecimento era que essa tal pessoa já estava a caminho.

Lorde Willian (um conto de amor) Completo.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora