Prólogo

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Mesmo ali, dentro do carro, ela podia ouvir os gritos ecoando em sua mente. Por algumas vezes, lhe pareceu ver o semblante acusador dele entre a multidão lá fora.

Ela estava descendo de um sedã preto, vestida a rigor para concorrer ao prêmio mais cobiçado entre os profissionais de comunicação, que seria entregue no salão principal do Teatro Municipal de São Paulo. Era tudo o que ela havia sonhado em toda a sua breve vida, mas as vozes abafadas em sua cabeça acusavam ameaçadoramente: "Impostora! Você é uma grande impostora". Ela sentiu o suor brotar das axilas e as gotas escorrerem pelas suas costas.

Desembarcou e foi recebida com flashes que espocavam sem parar em sua direção. Ficou cega por um momento, voltou a se equilibrar e tentou retribuir aos fotógrafos com um sorriso jovial. O sorriso de quem batalhou e venceu.

Havia uma massa de curiosos ao redor do teatro, pessoas que se espremiam contra as grades de proteção em frente ao teatro para ver os famosos que chegavam sem parar. Algumas celebridades acenavam, outras apenas passavam sem olhar para o povo, como se estivessem se protegendo de um ataque inevitável. Sandra acenou sorridente a todos que pôde, mas de repente estancou. Entre a multidão de curiosos, um senhor apoiado em uma bengala chamou sua atenção. Parecia ele, em carne e osso! Isto é impossível! Ele está morto! – pensou. Sentiu as pernas fraquejarem e só quando viu o rosto do ancião é que percebeu que se tratava de um completo desconhecido. Despertou de seu torpor no momento em que era abordada por uma repórter que fazia a cobertura do evento na porta do teatro, tentando prestar atenção às perguntas e abafar as vozes em sua cabeça, que soavam de forma ainda mais acusadora:

"Farsante. Sandra, você é uma grande farsa!"

***

Sandra Garcia caminhou rumo às escadas, sendo aplaudida pela multidão. Refletores poderosíssimos se moviam com as luzes direcionadas ao céu e iluminavam o edifício. Havia um tapete vermelho, que acompanhava a escadaria principal, recebendo os convidados na calçada, onde carros luxuosos despejavam pessoas vestidas a caráter. Ela olhou para a fachada do antigo edifício, iluminado contra o céu estrelado, onde estava escrito em uma grafia há muito abandonada: Theatro Municipal.

Sentiu seu coração bater mais forte. O prédio centenário, com sua arquitetura eclética em arenito, mesclando o estilo renascentista e barroco, tornava o evento ainda mais suntuoso.

A noite estava quente e agradável, e ela usava um vestido verde musgo longo, que deixava seus ombros de fora, sapatos scarpin e um colar fino de ouro branco com uma esmeralda no centro. Avançou o pé sobre o tapete vermelho. O toque deste parecia mágico!

Muitos gritavam seu nome. Sabia que não era comum este assédio com jornalistas. Atrizes e modelos, sim; repórteres investigativas, não!

A verdade é que Sandra Garcia era um fenômeno de sucesso e popularidade!

Caminhou entre a multidão de convidados distribuindo sorrisos e cumprimentos afáveis. Aquele era um dos eventos mais importantes de comunicação do país, a entrega do prêmio Comunicar, que reconhecia profissionais da área de jornalismo, marketing e publicidade.

Sandra adquirira respeito e admiração em todo o mundo ao ficar conhecida como correspondente internacional do jornal da noite da TVG, a maior emissora de televisão do Brasil. No tempo em que esteve viajando pelo mundo, cobriu dezenas de guerras e desastres históricos, como o atentado ao aeroporto de Moscou, que teve mais de duzentas vítimas, entre mortos e feridos, e o ataque terrorista ao teatro Bataclan, na França, no qual foram mortas mais de oitenta pessoas.

O último país em que atuou, o Iraque, fez Sandra atingir o auge do reconhecimento mundial. Em uma de suas coberturas no país, ela ajudou clandestinamente uma família inteira a fugir, atravessando pai, mãe e filho pela fronteira, escondidos dentro do furgão da emissora.

O lado escuro da madrugadaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora