Dear Scotty,

18 de Outubro

Querido Scotty,

Eu acho que talvez eu tenha exagerado um pouco (muito) ontem. A crise me atingiu com força na hora e eu fiquei louco, quando me dei conta estava chorando na cama até conseguir cair no sono.

Vou tentar pensar positivo e não ficar me xingando toda santa hora, talvez seja tudo exagero e o Will até veja o que eu sou e goste de mim mesmo assim. Parece algo tão impossível, mas nada é impossível, não é mesmo? Tem uma mínima porcentagem de possibilidade.

É só que as vezes me sinto tão sozinho... Coisas assim, eu só posso falar aqui, tenho medo de contar para qualquer outra pessoa e espantá-la, e o problema seu é que você não me responde, você é só um diário, sou só eu e meus pensamentos aqui, nada que possa me oferecer um segundo ponto de vista, uma segunda opinião...

Talvez eu esteja certo quando digo, vulgo penso, que estou sozinho no mundo, não tenho para quem desabafar. Talvez até tenha alguém disposto a ouvir, mas eu tenho medo, medo de espantar as pessoas, ou no caso da psicóloga medo de contar a minha mãe.

Eu sei que existe a política de psicólogo-paciente, que é tudo confidencial, mas ela não parece seguir.

Quando eu tinha 12 anos aconteceu uma coisa, eu tenho muita vergonha de contar sobre isso aqui, mas de qualquer forma eu contei pra psicóloga. Eu estava abalado contei aquilo em meio a lágrimas.

Logo depois, na noite do mesmo dia, minha mãe veio me confrontar sobre aquilo, sendo que era algo confidencial que até hoje eu me sinto desconfortável só de lembrar e eu não havia contado para ninguém, só a psicóloga. Não tinha como minha mãe ter ouvido pela porta, mas eu sei que elas sempre conversam depois da consulta por telefone e tals, ou tem dias que ela vai lá... Ou seja...

Até hoje eu me lembro como se tivesse sido hoje, me dá uma raiva. E como eu escrevi ontem, é minha mãe que paga as consultas que cuida de tudo, não tem como eu mudar. Estou preso com ela e sua falsa segurança. Ai ai... Como eu queria viver em um lugar onde as pessoas fossem ao menos honestas e confiáveis.

É, pelo visto eu quero morar no país das maravilhas.

Parando para pensar, não faz sentido o país das maravilhas ser chamado de país. Não é um país, mas na verdade um outro universo, pelo menos ao meu ver, seria tipo todo um outro mundo.

E eu estou problematizando país das maravilhas as 10:00 da manhã qual o meu problema?

É melhor eu só ir tomar o café da manhã.

Did you miss me?

Quem é morto sempre volta, acho que é assim o ditado, cá estou.

Hoje eu e Will ficamos fazendo uma pesquisona que tínhamos de lição de casa (e que deixamos pra última hora), fizemos pela janela e depois que acabamos ficamos conversando, isso já tem virado nossa rotina na verdade.

E ele começou a falar que eu devia ir com ele na próxima festa, que ia ser legal e tals, eu estava quase rindo de nervoso.

"Você não gosta muito de festas, né?"

"Tá tão na cara assim?"

Ele deu a tal "risada-suspiro"

"Eu também não sou o 'festeiro', mas as vezes é divertido... Seria bem melhor se você estivesse lá."

"Ai Will, você não sabe o que está falando. Com 100% de certeza eu estragaria tudo."

"Claro que não."

"Claro que sim, e seus amigos nem devem gostar de mim, se souberem da minha existência, eu só ia te envergonhar."

"Ei, não pense assim, é uma festa. Não leve a sério essas coisas. Admito que eu não gosto de todo mundo lá, mas tem gente como a Maya, ela gosta de você, e a Ashely, sabe, do meu clube de música."

Eu fiquei surpreso, Ashely nãoparecia do tipo que iria a festas.

Queria saber um bom jeito de falar sobre o meu problema social sem parecer um esquisitão.

"Deixa, eu não vou ficar te obrigando, desculpa, se você não quer ir é uma escolha sua. E eu entendo, antes, eu costumava a ser super anti-festas"

"Tudo bem, de boas. É que eu sou mais de ficar aqui em casa lendo."

"As vezes eu fico meio preocupado... Você parece muito triste... Eu sei que não é da minha conta, mas você é meu amigo não gosto de ver você solitário. Você é uma pessoa tão incrível, dói em mim te ver triste."

SIM, DEPOIS DE TODO MEU ESFORÇO, ACABOU QUE ELE SEMPRE PERCEBEU. E ele não fugiu... Nem se distanciou.. Will realmente é uma pessoa boa demais para esse mundo.

Eu fiquei preocupado, mas não consegui deixar de sorrir envergonhado por ele ter dito que eu era incrível.

"Não precisa se preocupar, eu sempre fui meio 'triste', já é normal pra mim."

Ele me olhou de um jeito que eu não sei descrever, seus lindos olhos (porque são lindos mesmo vou ser bem sincero) estavam com uma expressão meio apreensiva, ele abriu a boca como se quisesse falar algo mas desistiu e a fechou.

Será que ele percebeu que eu tenho depressão?

Droga, agora é só uma questão de tempo até que ele perceba o quão doente eu sou.

Se bem que ele não se distanciou até agora, talvez tenha uma esperança... Afinal, ela é a última que morre.

É melhor eu sair daqui, ir ver um filme, e relaxar antes que eu exploda numa crise novamente.