Equilíbrio

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20 de Março de 2015

- Sintam-se em casa

- Tudo bem- Ana sussurrou a si mesma se esforçando para que suas pernas parassem de tremer.

- Vem, Ana.

Vitória estendeu a mão para que Ana pudesse alcança-la. Ela segurou firme nos dedos pressionando com um alívio inusitado. Vitória se aproximou da bateria e deixou sua sandália preta no canto. – Tira tu também. Ela se espremeu entre um olhar e outro. Ana concordou e também ficou descalça, ainda desabando em nervosismo e timidez. Felipe ofereceu água enquanto mostrava as duas todo o estúdio. Sempre que elas lhe dirigiam a palavra, sentia a pressão psicológica escapar entre um ou outro tremor nas cordas vocais. Havia tanta doçura na voz dele, ele entrara na mesma sintonia de leveza daquelas duas. Riam pela pegadinha que tinham caído ao chegar lá e ouvir que ali era apenas um antigo estúdio.

- Esse aqui é Jeff. Ele vai tocar com vocês na música, certo?

- Muito prazer

Jeff estendeu a mão e cumprimentou as meninas.

Felipe apresentou os outros dois rapazes encostados no balcão, todos recepcionaram as meninas com uma cortesia infinita. Após um bate papo descontraído sobre os últimos acontecimentos, os rapazes pegaram os instrumentos e começaram passar as notas. O pai de Ana sentou no pequeno sofá de cor flamingo, e observar sua menina pela parede de vidro.

- Vocês preferem gravar Singular ou Chamego meu primeiro?

Jeff estava em pé analisando de que ângulo filmaria melhor, sua mão acariciava a barba, ele mantinha um tom gentil. Vitória sentou no chão já dobrando a perna direita por cima da coxa esquerda. Jeff sorriu, sorriu muito. Ele tinha visualizado perfeitamente o ângulo excelente pra gravá-las. Aconselhou que Ana fizesse companhia pra Vitória e também sentasse no chão. Ana segurou firme seu violão e sentou do lado de Vitória.

- Tô muito nervosa, Vi. – Sussurrou entre os dentes em um tom quase inaudível.

- Olha cá pra eu.

Então Ana ergueu os olhos e viu a si mesma por dentro do olho de Vitória que brilhava em intensidade magnífica.

- Quando tu sentir ruim olha pra mim. Igual tu faz sempre, siacalma nemim.

O tom rouco de Vitória voou pela compreensão de Ana, e confirmou que bastava deixar seu olhar preso ao de Vitória por poucos segundos e sua confiança voltava. Ela expirou demoradamente ao concluir o que já sabia.

" E o meu cabelo não parece te assustar

Você incrivelmente não se importa"

Ana soltou suas lembranças em forma de um sorriso meio escondido lançando um olhar de confidência, sorriu e Vitória correspondeu. E cada vez que faltava um pouquinho de segurança, Ana compartilhava um olhar e as coisas se encaixavam, a sintonia equilibrava cada aceleração do seu sistema nervoso e o mundo inteiro acalmava. Elas tinham encontrado exatamente tudo que precisavam ali, compartilhando música, vida, olhares, sorrisos, compartilhando a própria alma.

No dia 29 de Março foi ao mundo Chamego Meu, Singular e Cores. As músicas já não eram de Vitória apenas. Era delas sim, mas desse dia em diante era do mundo todo também.

2 de Abril de 2015 três músicas já estavam em pré-venda

4 de Abril de 2015

Ana tinha convidado Vitória pra almoçar, faltava poucas horas pra que elas ficassem longe novamente, por outra temporada desconhecida. Havia os planos, os planos eram lindos, contudo havia todas as questões da vida como ela era, além dos sonhos. Ana precisava se concentrar no seu curso, tinha que retomar exatamente de onde tinha parado. Ela ainda era estudante de medicina, e mesmo que as visualizações nos vídeos e as vendas das músicas estivessem alavancando, ainda era só o começo da jornada. Ana mal tinha dormido a noite anterior ainda confusa com todo o caminho que tinha trilhado e as decisões que precisava tomar. Já era Abril.

Vitória apareceu no restaurante com o cabelo solto como de costume, ela usava um tom escuro de batom, contrastando todo seu ombro descoberto pela camiseta preta. Os olhos de Ana Clara iluminaram imediatamente, lançou seu sorriso e a abraçou calorosamente, o fio de sua blusa engatou no cordão enorme que Vitória trazia no peito, delicadamente Vitória ajudou a desprender e Ana voltou pro seu lugar. Havia tanta felicidade ali, Ana podia tocar com os dedos se quisesse. Era a coisa mais real que podia sentir aquela felicidade. Os sonhos que viviam, e o sonho que uma era para a outra. Sentaram em uma mesa ao lado da janela e dividiram um silêncio regrado de declarações.

- A gente tá voanu, Ninha.

- Tá sim.

Ana franziu a testa e encolheu os olhos, e seu sorriso se estendeu de uma orelha a outra. O dia estava serenamente calmo, limpo e pacífico. Ela pegou o celular e mirou em direção a Vitória, enquanto ela via pela janela, colocou a mão direita no braço esquerdo e lançou voo em seus pensamentos. Ana fotografou apenas do nariz pra baixo e postou no instaram legendando com a única certeza que ela tinha naquele momento. EQUILÍBRIO.

Vitória Falcão era o seu equilíbrio. Ela sabia disso. E agora queria que todos soubessem também.

Após uma refeição dividida entre flertes e agradecimentos em voz alta por tudo que estava acontecendo na vida delas nos últimos meses. Ana a convidou para passear numa pracinha pertinho dali. Juntas caminharam pelas calçadas, sincronizando passo a passo. Vitória colheu uma pequena flor amarela de uma planta minúscula ao lado do banquinho que sentaram. Era quase meio dia, o clima quente se dissipava na harmonia que todos aqueles galhos de árvores dançavam.

- Vi, tu quer namorar comigo?

Ana tomou coragem ao observar Vitória brincar com as pequenas flores amarelas em suas mãos. Sendo obrigada a tirar sua atenção das pequenas amarelas jogou uma expressão facial completamente assustada para Ana Clara.

-Namorar Ninha?

- Muito cedo pra falar de namoro, né?

- Tu não gosta do que nós tem?

Vitória foi capaz de ouvir na própria voz o incômodo que estava sentindo.

- Claro que gosto, você sabe que eu amo isso tudo. Eu só queria ter certeza que tu...

Calou-se ao perceber que entraria em área perigosa. Ela sabia que não poderia exigir posse de Vitória. De Vitória não.

- Não.

A voz rouca de Vitória completou a frase inacabada de Ana.

- Não termina o que você quer dizer.

Vitória jogou as flores no banco, e levantou em silêncio sem conseguir voltar a olhar pra Ana.

Uma alma pra dois corposOnde as histórias ganham vida. Descobre agora