Capítulo 16

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"Don't Panic."

(Douglas Adams)

   Apesar de saber, de certa forma, que estava caminhando para uma enrascada, Nicolas seguiu seu plano de tentar descobrir o que fosse possível daquele lugar e de Rita. Não demorou muito após terminarem o almoço para que ele fosse levado (desta vez com cortesia) para a sala de informática. Ele foi acompanhado de Rita e Mathias.

   Eles andaram por vários corredores, desceram pelo elevador e passaram por outros tantos corredores. Nicolas tinha suspeitado disso logo no início, mas agora tinha certeza: aquele lugar tinha pelo menos dois andares no subsolo. É pouco provável que sejam para fugir da luz do Sol nos dias de calor infernais. Quando mais andavam, mais as paredes pareciam escuras e as luzes escassas, como se estivessem descendo para as masmorras de um castelo. Ao chegar perto da sala onde deveriam entrar, apenas um corredor de luminárias fluorescentes refletindo no chão. Apesar da pouca luz era possível perceber que o local era muito limpo. Tão limpo e encerado a ponto de refletir totalmente a luz que vinha do teto.

   Rita e Mathias sorriam e conversavam sobre coisas fúteis e sem sentido que adultos costumam conversar, como o resultado da última partida de futebol, o novo sucesso adolescente que se meteu com drogas ou engravidou (ou as duas coisas). Nicolas estava resoluto em seus pensamentos. Mais uma vez ele viajava neles para longe dali. Só percebeu a realidade novamente quando Mathias abriu a porta e falou: — Vai demorar muito pra entrar?

   Havia vários computadores espalhados em quatro fileiras, como uma sala de jogos antiga. Rita ligou um deles, bem próximo da entrada. A máquina fez alguns ruídos e então seu cooler começou a rodar. O barulho não era alto, mas naquela sala silenciosa qualquer coisa parecia muito barulho. Os três aguardaram até o símbolo do sistema operacional aparecer e sumir. Era um sapo engolindo uma mosca robótica.

   Rita colocou um pendrive na máquina, abriu algumas fotos e resumiu seu discurso para Nicolas em algumas poucas palavras: — Dê o seu melhor. Sei que você é capaz de fazer qualquer coisa. — Ela sorria, erguendo suas bochechas rosadas para o alto e fazendo o óculos mudar um pouco de sua posição original. — Eu vou resolver algumas pendências lá em cima. Acho que vocês dois conseguem fazer isso juntos. Não vão brigar.

   Nicolas tinha certeza, neste ponto, de que Rita estava preparando algo. Deixá-lo com o guarda Mathias era prova disso. Ele já havia postergado bastante essa conversa que acontecia apenas em sua mente. O que Mathias sabia, afinal? E porque ele, em tese, não havia contado nada para Rita até o momento? Ele hesitou em falar alguma coisa, mas chegou a conclusão de que não havia alternativa.

   — Porquê você não contou nada?

   — Porquê eu faria isso? É mais divertido assistir você se encrencar.  — Mathias riu por algum tempo e então voltou a sua face padrão-sério-guarda. — Em primeiro lugar, não é da minha conta. Em segundo lugar, Rita já deve saber de tudo e não fui eu quem contei. Essa mulher é mais esperta que nós dois juntos. Você devia se perguntar: o que Rita está fazendo? —  Mathias respirou, esperou alguma resposta de Nicolas, sem sucesso, e então continuou: — Eu descobri isso apenas porque eu sou guarda e, afinal, guardas olham câmeras, como as que tem no seu quarto. Eu vi você mexendo no aparelho e todo o resto.

   — Então não foi você nem a Rita que colocaram aquilo no meu aparelho?

   — Não. Eu nem sei como isso pode ter acontecido, mas imaginei que fosse um dos seus amiguinhos hackers que invadiu o sistema do sanatório pra falar com você. Eu li o seu histórico pra ter certeza. Melhor aluno em robótica, primeiro aluno do estado a criar um protótipo de inteligência artificial consciente. 

   Os dois ficaram algum tempo parados, apenas se observando. Era como se conversassem sem precisar de qualquer palavra pra isso.

   — Então, agora você vai mexer um pouco na apresentação, eu vou até o banheiro, deixando o local livre para que você possa investigar Rita e o sanatório nessa máquina sem ser notado.

   — Você quer que eu faça isso então?

   — Você não entendeu? É isso que você tem de fazer. Você pode achar que está no controle da situação, mas Rita sempre está um passo à frente. Ela sabe que eu bebi dois copos de suco no almoço e que dentro de no máximo dez minutos minha bexiga vai começar a apertar e serei obrigado a deixar você sozinho aqui. 

   — Se ela está sempre a frente e você sabe o que ela quer, não é você quem está a frente?

   — Não. Neste ponto ela já deve saber que eu estou tendo essa conversa com você. Ela sabe, provavelmente, que eu olhei as câmeras e estou discutindo sobre isso. O que ela quer com tudo isso é o ponto que eu não sei. Também não me importa muito. Estou aqui só pra ver o circo pegar fogo.

   — Pra um cara que nunca fala mais que uma frase inteira, você está bem conversador hoje.

   — Pra um cara especialista em computadores, você está demorando demais pra fazer uma simples apresentação para um aniversário de uma colega de trabalho. Vou ao banheiro.

   E então Mathias saiu da sala, deixando Nicolas sem saber exatamente o que fazer. De fato ele sabia o que devia fazer, mas não sabia ao certo se queria mesmo continuar com isso. 

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